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Não será a procura dessas anormalidades a própria anormalidade? Alunos ciganos; alunos especiais
Como professor de Educação Especial, já lá vão 10 anos, tenho constatado que, para além dos alunos com quem, supostamente, deveria trabalhar; digo, alunos com alterações cromossomáticas, graves distúrbios cognitivos, deficiências sensoriais, etc. e para os quais me sentia minimamente preparado, havia um significativo número de alunos, para os quais a escola solicitava a intervenção dos Apoios Educativos. Eram alunos oriundos de bairros sociais próximo das escolas e de etnia cigana. Eram alunos, em média, com idades superiores aos restantes elemento da turma, com problemas nas aprendizagens, nomeadamente ao nível da leitura e escrita, por vezes conflituosos e para os quais os professores das turmas solicitavam apoio ao Ensino Especial, pois sentiam dificuldade em dar resposta às suas constantes necessidade.
Este fenómeno fez-me reflectir sobre o papel da escola nesta sociedade pós-moderna, multicultural que, ao nível do discurso e do edifício jurídico, tende a ver a diversidade cultural como normalidade e não como patologia e que, contudo, na prática educativa, acaba por gerar situações de discriminação institucionalizada para com as minoria étnicas, como é o caso dos ciganos.
Observa-se, não raras vezes, que a resposta que a escola dá a uma situação de diferença cultural e étnica, como é o caso dos ciganos, é uma alternativa criada inicialmente para integrar na escola alunos portadores de deficiência. Questiono-me: será que a escola vê no aluno cigano com problemas de aprendizagem, um aluno deficiente? Como olham os professores para estes alunos? O ensino compensatório é a solução? Mais do mesmo resolve um problema de diversidade cultural? E os pais destes alunos, como olham para a escola? Têm consciência de como os seus filhos são vistos e tratados pela escola? Estaremos a caminhar para uma escola inclusiva, capaz de acolher no seu seio todas as diferenças, como muita retórica legislativa refere? Ou será que chegámos à conclusão que a escola para todos é-o, mas de forma diferenciada?
No estudo que desenvolvi tornou-se claro que os professores de apoio educativo, ao longo dos anos de escolaridade, dos alunos ciganos, procuraram encontrar razões para justificar o fraco rendimento escolar. Para tal procuraram junto de psicólogos, médicos e terapeutas, um diagnóstico capaz de justificar tal insucesso. Neste caso, admite-se que são alunos com NEEs, ou seja, "especiais", "diferentes" e incluem-se no Regime Educativo Especial. É nesta passagem para um regime educativo diferente que a escola assume que estes alunos não são capazes de ser como os outros.
Se assentássemos as nossas conclusões na análise dos processos dos alunos, ficaríamos por aqui, pois essa foi a nossa leitura quando os interpretámos. No entanto, tornou-se claro que a inclusão destes alunos no Regime Educativo Especial, prendia-se também com a necessidade da escola de se apetrechar de recursos humanos para fazer face às dificuldades que sentia com a presença destes alunos. Nesta perspectiva, podemos compreender como esta situação passa por uma estratégia da escola para se apetrechar de professores que de outra forma não teria.
Quanto à Educação Especial e aos seus agentes, os professores de apoio, que julgávamos terem já assumido a mudança para um novo paradigma, entendendo a escola como escola inclusiva, capaz de ensinar diferente a quem é diferente, assumindo a diversidade como normal, não é bem assim. Pelo contrário, vimo-los mais preocupados em justificar os insucessos escolares do que na procura de soluções alternativas capazes de modificar os comportamentos quer da escola quer das famílias ciganas. A problemática da integração/inclusão de crianças com NEEs ou crianças pertencentes a grupos minoritários é complexa. Urge desocultar esta realidade, para melhor compreender a presença de ciganos na escola, em particular no Ensino Especial.
Uma comunidade cigana, que parece indiferente ao facto dos seus filhos pertencerem ou não ao ensino especial, valoriza uma escola que não tiveram enquanto crianças e que os seus filhos têm, uma escola que os aceita e acolhe enquanto crianças, mas que, perante a diferença, procura a normalização. Um quadro legal assente em valores como a inclusão, a escola para todos, mas também propício à criação, de diferenças e diferentes como é a reinvenção do Regime Educativo Especial. É disto exemplo o número significativo de alunos ciganos que encontrei no Ensino Especial (alínea i para os entendidos), supostamente portadores de alguma "anormalidade". E agora Professor? Não será a procura dessas anormalidades a própria anormalidade?

  
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Edição:

N.º 169
Ano 16, Julho 2007

Autoria:

José Paulo Costa
Professor de Educação Especial. Investigador no CIID-IPLeiria ? Instituto Politécnico
José Paulo Costa
Professor de Educação Especial. Investigador no CIID-IPLeiria ? Instituto Politécnico

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