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As escolas também se abatem!...
O encerramento de centenas de escolas do 1º ciclo em meios rurais veicula uma racionalidade política superficial que deixa no fundo verdades que as pessoas sentem, e alternativas possíveis mas ignoradas. Uma delas, já referida neste jornal por outros autores, seria o investimento na realização de escolas intergeracionais comunitárias juntando crianças, jovens e adultos em actividades partilhadas. Mas o meu regresso ao tema é, talvez, mais emocional do que racional. E, por isso, desvia-me do conteúdo habitual desta coluna. Ocorreu durante uma (re)visita a um velho professor do 1º ciclo que em certo momento comenta, com algum tom de interrogação, que agora o governo anda para aí a abater escolas. O termo foi mesmo abater, com aquele sentido de autoritarismo de quem manda eliminar.. Lembrei-me dos restantes abates que o governo tem promovido: na educação, na saúde, no emprego, nos apoios sociais, etc. Ocorreu-me também o abatimento e desmotivação de muitas pessoas sob o peso das dificuldades trazidas pelos imperativos sacralizados do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), por uma lógica neoliberal de desenvolvimento mas, mesmo assim, sem o necessário dinamismo e ímpeto que dê às pessoas rumos de trabalho para esse desenvolvimento. Lembrei-me, inevitavelmente, do excelente filme de Sidney Pollack, de 1969, Os Cavalos Também e Abatem e também dos tempos de crise que representava: as profundas dificuldades sociais e o desemprego da Grande Depressão dos anos 30 nos Estados Unidos da América.
Vivemos o fim de um ciclo que traz consigo profundas rupturas. Se não fosse o sentido marcadamente neoliberal dos novos caminhos dir-se-ia que vivemos um período revolucionário. As lideranças políticas apontam caminhos e tomam decisões que dificilmente se entendem numa lógica de desenvolvimento equilibrado do território. Não se vislumbra no discurso e na acção dos políticos qualquer compatibilidade entre, por exemplo, o encerramento de tantas escolas e hospitais, evocados como medidas de racionalidade e de eficiência, e o combate ao despovoamento e desertificação do interior. Fica-nos a convicção que o governo está resignado com aqueles desequilíbrios ou que o modelo de desenvolvimento adoptado não é compatível com o investimento no desenvolvimento de um país feito de todas as regiões e pessoas que o constituem.
Nas actuais circunstâncias, são indispensáveis mudanças mesmo com rupturas, para abrir novas vias de desenvolvimento. Mas quaisquer que elas sejam, devem ser compreendidas pelos cidadãos e, em vez de gerarem a crispação, o abatimento e a desmotivação, deveriam gerar a sua confiança e disponibilidade. Nunca, em tempo de democracia, foi tão forte a coexistência entre um sentimento de oposição/antagonismo entre o Estado e o Cidadão e a persistência de uma atitude de aceitação e de consentimento dos cidadãos face a medidas politicamente consideradas indispensáveis para o desenvolvimento. Serão mesmo? E para que desenvolvimento? Se sim, que sejam compreendidas e participadas pela colectividade a quem supostamente são dirigidas.
Voltando ao encerramento/abatimento de tantas escolas. Seriam mesmo medidas inevitáveis? Talvez!... Mas vêm, certamente, impedir novos sentidos de educação comunitária e fragmentar vivências que fazem/fizeram parte da nossa identidade. Foi esse sentimento que vi nos olhos do meu velho professor.

  
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Edição:

N.º 169
Ano 16, Julho 2007

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

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