Página  >  Edições  >  N.º 168  >  É possível pensar e fazer escola pública com as classes populares?

É possível pensar e fazer escola pública com as classes populares?

Sim. É possível, necessário e urgente. O III Seminário do Grupo de Estudos e Pesquisas de Educação Continuada da Faculdade Educação da UNICAMP(1) mostrou que o diálogo entre educadores e classes populares está acontecendo em algumas escolas. As apresentações, os debates e as reflexões resultantes de pesquisas e de trabalhos coletivos demonstraram que os profissionais da educação trabalham, pensam e fazem outra escola pública não para, mas com as classes populares. É deste diálogo que emergem saberes e poderes necessários a outras concepções de escola pública. Os trabalhos apresentados foram divididos em duas grandes temáticas: "A construção Epistemológica da Pesquisa-Ação e Tramas Peculiares no Cotidiano da Escola".
A minha apresentação foi inserida na segunda temática, uma vez que estudo a gestão da educação em práticas cotidianas: onde e como se constrói o democrático. Descobri no cotidiano de três escolas públicas, situadas nas periferias da cidade do Rio de Janeiro e da cidade de Duque de Caxias (RJ), outros movimentos e processos de gestão democrática que estão sendo construídos, outros projetos políticos pedagógicos estão sendo implantados, diferentes culturas vão abrindo caminho a graus diferentes de participação democrática: entre professores e professoras, entre funcionários e funcionárias, todos se ouvem, todos ouvem os alunos e suas famílias. Esta participação vai marcando diferentes espaços/tempos do cotidiano escolar. No trabalho pedagógico realizado mediante projetos coordenados por coletivos de professores e alunos, a leitura e a educação ambiental ganham destaque, no trabalho administrativo, a formação política faz com que todos procurem saber de tudo que acontece na escola, todos opinem, todos participem das decisões, todos sejam críticos às decisões que vêm de cima para baixo. A autonomia garante um diálogo real entre escolas e as secretarias de educação.
Os estudos de epistemologia baseados nos textos do pesquisador argentino Walter D. Mignolo (2003)( 2) e do pesquisador venezuelano Edgardo Lander(2005)( 3) estão me permitindo construir outra chave teórica para compreender melhor o potencial desta participação democrática local. Começo a descobrir que esta participação crítica e autônoma, criando um ou mais sujeitos coletivos, contribui para desconstruir poderes e saberes subalternos implantados desde e pelos colonizadores, e enraizados historicamente. Esses autores me explicam e me convencem de que são possíveis outras culturas, outros saberes e outros poderes autônomos coletivos, capazes de provocar profundas mudanças nas concepções de escola, nas relações da direção com a comunidade, dos professores com os alunos e suas famílias, na construção de conhecimentos mediante as práticas curriculares, enfim toda a escola começa a conviver com um clima de escola democrática e autônoma, onde o diálogo vá se tornando real.
Nesta pesquisa que realizo, descubro que cada escola cria seus processos próprios de participação na construção de outros saberes e no exercício de outros poderes. Os sujeitos coletivos administrativos fazem a diferença. Ninguém simplifica a participação da comunidade apenas em conselhos de escola e comunidade, em grêmios escolares ou em eleições diretas para diretores. A participação é construída por processos complexos cotidianos centralizados em relações de sujeitos coletivos. Quando pergunto a alguém sobre os conselhos ou os grêmios, a resposta é imediata: "Já funcionaram muito bem, hoje temos uma participação intensa em diferentes atividades da escola".
Interessado em aprofundar outras relações de poder e a desconstrução dos saberes subalternos implantados pelas práticas coloniais, aqui na América Latina, fiquei atento às exposições dos três participantes de minha mesa: "A construção coletiva na formação das equipes gestoras da prática formativa à pesquisa sobre a própria prática"; "A colonialidade do poder como condição histórica do pensamento liminar: a emergência de uma perspectiva crítica sobre a gestão escolar"; "O processo de formação continuada de gestores na rede municipal de ensino de Hortolândia". Após minha fala sobre gestão democrática, a minha curiosidade se voltou para o grupo que trabalha a formação continuada de diretores de escola pública, e lhes pergunto: Que sentido tem esta formação continuada para diretores escolares? Como ficam as relações de poder entre diretores e a equipe da Secretaria Municipal de Educação? Um deles acrescentou que aquele trabalho de formação continuada provocava impasses entre os diretores e o grupo de pesquisadores. "Os diretores resistem e nós entramos em crise". No final, concluem que aprendem mais do que os diretores.
Retorno do III Seminário "FALA outra ESCOLA" instigado por essas questões: "Por que é importante discutir outras relações de poder entre escola e classes populares, entre direção e famílias, entre professores e alunos? Por que é importante discutir a subalternidade dos saberes curriculares? Como desconstruir os saberes eurocêntricos presentes em livros didáticos de ciências sociais?
Respondendo à pergunta posta no início deste breve texto, reafirmo que é fundamental pensar e fazer a escola pública com as classes populares, porque assim reconheço o poder, o olhar, o pensar e o fazer ? das classes populares. É desse diálogo que poderão surgir outros poderes e outros saberes, necessários às novas concepções de escola e sociedade.

Notas:

(1) O III Seminário FALA outra ESCOLA, promovido pelo Grupo de Pesquisas sobre Educação Continuada (GEPEC) da Faculdade de Educação da UNICAMP, realizado em Campinas (SP/Brasil), nos dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2006, desencadeou a participação de professores, mestrandos e doutorandos em educação de vários estados. Entre esses estávamos nós dos Estudos do Cotidiano e Educação Popular do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF.

(2) Mignolo, Walter D. Histórias Locais/ Projetos Globais: Colonialidade, saberes subalternos e pensamento laminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003

(3) Lander, Edgardo(organizador). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

João Baptista Bastos
Univ. Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasi
João Baptista Bastos
Univ. Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasi

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo