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Gary Kasparov 1 - Deep Blue 2: dez anos depois
Faz 10 anos em Maio de 2007 que o campeão mundial de xadrez Gary Kasparov foi derrotado pelo Deep Blue, um programa de computador da IBM. Numa série de 5 partidas, Kasparov ganhou uma, empatou duas e perdeu duas. Com este acontecimento poderia parecer que a sociabilidade e a disputa entre humanos no jogo se perdera e que a arte do jogo de xadrez ficaria irremediavelmente confinada às bases de dados que permitiam ao computador dar uma resposta fria e mais eficaz do que a criatividade dos humanos. Esta parecia ser uma situação desmoralizadora na utilização das tecnologias digitais em que o homem é derrotado pelas máquinas. Talvez mais (des)moralizadora ainda quando pequenas máquinas se vão instalando progressivamente nas nossas mãos, (aparecimento da nitendo e play station) nas mãos dos nossos estudantes, dos nossos filhos e netos tornando-nos viciados nos computadores; quando sentimos que a internet vai minando, permeando toda a nossa sociedade e alterando o nosso modo de vida; quando atribuímos a estes artefactos culturais a causa de dissolução dos laços sociais; quando as bases de dados se tornam formas simbólicas da era dos computadores; quando as tecnologias digitais contribuem decididamente para transformar o mundo num imenso panopticum em que nos sentimos continuamente observados ou para reduzir o emprego, transformar os postos de trabalho, acelerar ou controlar a produtividade.
A derrota de Kasparov desencadeou reacções algo semelhantes às do grupo de operários (e dos luditas) que, nos finais do Século XVIII e princípios do Século XIX, revoltados contra a introdução das máquinas automáticas, decidiram destruí-las pensando que assim paravam a Revolução Industrial. Constitui também a metáfora da condição humana que se deixou surpreender pelas máquinas e pelo crescimento das redes de interacção digital. Criou também novas esperanças. Não temos poderes para destruir as máquinas, as redes e os seus efeitos, mas temos o poder de as compreender e de influenciar o seu funcionamento, a responsabilidade de as colocar ao serviço do desenvolvimento e da condição humana.
Aponta-se, por vezes, que os conceitos, ou as teorias comandam as revoluções científicas e sociais. Não será necessário pensar até que ponto as mudanças tecnológicas trazem consigo desafios e consequências sociais mais profundas que as produzidas pelos conceitos e pelas ideias? Será possível entender-se de forma separada tecnologia e condição humana?
Há nisto, além de um amplo campo de acção, uma situação privilegiada de investigação e um desafio ao estudo e à reflexão no âmbito das ciências humanas e sociais (antropologia, sociologia, psicologia, narratologia) sobre as transformações dos indivíduos, das sociedades, das culturas e das linguagens na era digital e um amplo leque de perguntas que nos inquietam: que tipo de sociedades são geradas pelas tecnologias digitais? Que tipo de grupos sociais se formam à sua volta? Como é que a sua adopção massiva reconfigura ou afecta as identidades sociais, a percepção que as culturas, classes e grupos têm de si mesmo e dos outros, das suas interacções, da natureza humana, da vida, da cultura, das utopias? Como mudam as formas de relação (interacção), comunicação, aprendizagem e transmissão de saberes, pensamento, actuação, entretenimento, trabalho, participação política? Que transformações operam na vida quotidiana? Que novos poderes geram?
Formulamos algumas dessas perguntas. Outras, sugerimos ao leitor que as faça a partir de suas experiências e procure ver que respostas encontra na vida quotidiana (dos indivíduos e das instituições) que decorre à sua volta.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 167
Ano 16, Maio 2007

Autoria:

José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta
José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta

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