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Com quem construiremos o sucesso escolar?
A chegada massiva dos filhos(as) das classes populares à escola não ocorre com ordem e tranqüilidade, como talvez desejássemos. Diante do quadro caótico, tratamos de buscar os modelos de que dispomos, mirando firmemente a nossa idéia consolidada de escola. Mais uma vez caos, desordem, ruído; os melhores esforços parecem em vão; diante de nossos olhos, estudantes que não aprendem e professores(as) que não ensinam. Nos encontramos com histórias de fracasso e com o desejo não realizado de viver com êxitos as experiências escolares cotidianas, em meio a frágeis momentos em que o sucesso se evidencia.
Os debates se ampliam, são consideradas novas variáveis e formulados novos projetos. Enquanto isso, estudantes oriundos das classes populares seguem sua história de pouco ou nenhum sucesso na escola e suas famílias parecem conformadas a experimentar outro fracasso. Esta é uma face do quadro, não a única. Os estudantes voltam um dia mais, um ano mais e suas famílias continuam tentando atender às expectativas escolares. O persistente fracasso faz persistir o desafio de configurar uma escola favorável a todos.
A escola que se realiza a cada dia é uma escola marcada por tensões, conflitos, destituída de percepção e projeto únicos. A escola estruturada como parte do projeto da modernidade não se tornou realidade e seus princípios fundadores ? a verdade como lei, o rigor como método, a transmissão dos conhecimentos socialmente válidos e necessários como finalidade ? mostram-se insuficientes para enfrentar os desafios que a vida cotidiana contemporânea impõe. As práticas escolares cotidianas precisam ser indagadas dentro dos múltiplos contextos que conformam a Escola como uma instituição cada vez mais universalizada e, portanto, simultaneamente mais vinculada às particularidades dos grupos historicamente subalternizados, negados em seu saber e que têm seu próprio conhecimento desqualificado.
Neste contexto cambiante, os objetivos escolares, longe de serem expressão da verdade a que se deve buscar, como parte de um acordo social e através de caminhos rigorosos e fiáveis, demarcam pautas arbitrárias de ensino e aprendizagem constituídas como parte de lutas sociais, das quais a transmissão de conhecimentos e a conformação dos modos de estruturação do pensamento são partes fundamentais.
A Escola que promete, e muitas vezes busca, socializar o conhecimento também se vincula aos processos de produção de subalternidade dos conhecimentos e dos sujeitos ? os outros nos quais alteridade coincide com negatividade. Esse projeto de escola, que se pretende universal, exatamente por sua amplitude não pode ser apartado dos processos de produção de sociedades silenciadas, que não são escutadas na produção do conhecimento, tampouco reconhecidas e valorizadas em sua diferença; não se pode ignorar sua participação nos atos implementados com o sentido de colonizar conhecimentos, como estratégia que ressalta e rasura a diferença colonial para negar a alteridade. Por suas práticas cotidianas, tampouco se pode desconsiderar sua relação com processos que tratam da emancipação.
Traçar objetivos comuns, constituídos como portadores da verdade, e como signo de eqüidade, não é um mecanismo eficiente e "civilizado" de negar o outro? Negação que produz subalternidade com apoio dos conhecimentos científicos? Não é um interessante caminho para lograr a verdade instituída como tal ocultando as relações de força que a atravessam? O fracasso faz emergir os mecanismos sutis, configurados para transformar as relações de poder em relações de saber, legitimando a negação, a destruição, a submissão, a produção do outro como reprodução do mesmo, ainda que com aparência diversa. O fracasso evidente nos desafia a retomar os breves momentos em que o sucesso se evidencia para radicalizarmos o processo de produção de uma escola para todos; demanda a indagação sobre o que é educação, quais são suas bases e finalidades, o que transmite e como transmite; exige profunda reflexão sobre o que está historicamente negado e silenciado e que precisa ser recuperado e incorporado à dinâmica pedagógica.
A luta das classes populares por escola ao longo da história e a cada dia nos desafia a compreender: que movimentos fazem para dialogar com a escola, para se adaptar a sua dinâmica e, até mesmo, para negar as práticas escolares, como estes movimentos se tornam invisíveis, imperceptíveis, incompreensíveis, inaceitáveis; como são traduzidos em caos e impossibilidade; como o desejo de êxito produz amargas experiências de fracasso. Manter o compromisso com uma escola para todos nos desafia a abandonar os caminhos bem conhecidos e enveredar por trilhas não percorridas, enfrentando o dilema: abrir a possibilidade de erros previsíveis nos claros objetivos de ensino que antecipam como deve ser o correto ou gerar na escola a possibilidade do novo, lugar de erros não experimentados e de acertos igualmente desconhecidos.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 167
Ano 16, Maio 2007

Autoria:

Maria Teresa Esteban
Professora da Fac. de Educação da Univ. Federal Fluminense, Brasil. Pesquisadora do grupo Alfabetização dos Alunos das Classes Populares.
Maria Teresa Esteban
Professora da Fac. de Educação da Univ. Federal Fluminense, Brasil. Pesquisadora do grupo Alfabetização dos Alunos das Classes Populares.

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