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Uma gaiola chamada escola
A criança é, actualmente, dominada por dois mundos que a enclausuram - a escola e a televisão. Ao entrar na escola, a criança começa a ser escolarizada - e não educada - numa instituição onde se ensina como obedecer a ordens e campainhas, onde se ensina a pensar como lhe mandam, onde se ensina a viver em grupo e simultaneamente a sós, onde se ensina a dividir a sociedade em castas, onde se ensina a competição compulsiva, onde se ensina a humilhar e a ser humilhada, onde se ensina a ser passivo na vida comunitária, onde se ensina a enfraquecer e excluir a família do acto de educar, enfim, onde se ensina que provavelmente durante doze anos a vida passará por imensas celas (salas) e actividades que se ligam e desligam, tal como um interruptor da luz, ao som de um chocalho e sob a apertada vigilância de uns guardas. Bem-vindo à gaiola chamada escola, meu caro amigo António! Porventura assustador, este é o retrato fiel de muitas escolas. Ah, peço perdão! Permita-me apresentar o António: um menino igual a muitos outros, mochila nas costas, pequeno reguila, e bastante entusiasmado com o momento da sua primeira aula de Inglês do 4º ano de escolaridade.
- Yes! - exclamava ele.
A "lesson number one" resumiu-se a uma série de regras, em que a palavra mais escrita foi NÃO. Não se pode falar com os colegas. Não se pode ir à casa de banho durante a aula. Não, Não? "Ufa! Lá terei que introduzir um relógio despertador na minha bexiga para marcar a hora do xixi." Meditava António, quando de repente a campainha lhe interrompeu o pensamento. Estava na hora de sair. Já lá vinha o outro grupo (turma) em fila indiana.
Na "lesson number two", o António realizou, entrando mudo e saindo calado, um conjunto de actividades rigorosamente impostas pelo professor. Cabisbaixo, ele perguntava a si próprio: será que não tenho direitos na sala de aula?
Contudo, o António era um puto resignado. Afinal de contas, a sua manhã escolar também não lhe tinha trazido grandes recordações. Os erros no ditado significaram uns estridentes gritos saídos da boca da professora.
- É preciso colar-te isto na testa? Não tens vergonha de ainda cá estares? A tua irmã já te passou à frente! - disparou a professora. António não pôde deixar de reparar no riso sorrateiro e cruel dos colegas.
- Não faz mal! - sussurrava ele.
António não era rapaz de se ir abaixo tão facilmente. A sua tia, também professora, já lhe tinha alertado que errar é humano! Quando chegar a casa, ele vai esforçar-se para melhorar essas palavras. Através de um dicionário, prontuário ou computador, ele vai escrevê-las correctamente numa folha elaborada para o efeito. Depois, vai assinalar as palavras certas do ditado, porque estas são igualmente importantes. No último, ele contou 63 palavras correctas e 10 que precisavam de ser melhoradas. Nada mau! O diploma oferecido pela tia, religiosamente guardado no dossier, comprova este seu esforço! Ela ensina com o coração. Oxalá todos o fizessem ou tentassem fazer!
António irá, com certeza, sobreviver a este e a outros tantos holocaustos educacionais. O pai farta-se de lhe dizer:
- Aguenta, porque no meu tempo era pior. A professora puxava as orelhas.
Mal sabia ele que ainda há quem tenha que suportar isso, para além de caixas de castigos ou o lado dos burros, mas a sua esperança desvaneceu-se completamente quando a mãe recusou abordar o assunto com a mestre.
- Não tenho tempo! Não te preocupes que a professora só quer o teu bem. - desculpava-se sistematicamente.
Na verdade, a mãe do António tinha a consciência de que o tempo não era a principal razão. As escolas são fortalezas amulharadas que excluem os ditos não especialistas em questões de ensino ? os pais.
Ela não queria ser apelidada de furúnculo.

  
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Edição:

N.º 166
Ano 16, Abril 2007

Autoria:

Miguel Gameiro Silva
Ponta Delgada. Açores
Miguel Gameiro Silva
Ponta Delgada. Açores

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