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Repensando a cidadania europeia

A construção da cidadania europeia está por cumprir. Na verdade, a cidadania é como uma casa que nunca está pronta. É uma realidade complexa assente em diversos pilares ? políticos, económicos, sociais, culturais, linguísticos, ambientais....
A não preservação de algum destes pilares pode desequilibrar o ideário europeu. Todas as línguas dos vários estados-membros fazem parte da nossa casa comum. As competências linguísticas facilitam a interacção entre os indivíduos e são um recurso para desocultar práticas hegemónicas em termos linguísticos e culturais.
Vejamos uma pequena história (imaginada) que nos pode ajudar a reflectir criticamente sobre a construção da cidadania europeia.
Quatro amigos decidiram viajar pela União Europeia (UE). Juntaram-se em Paris. O grupo era constituído por uma francesa, um inglês, uma espanhola e um alemão. Tinham aspirações a profissões diferentes, e um desejo enorme de conhecer o património comum e a diversidade linguística e cultural da UE. A francesa era educadora social; o inglês, jornalista e comunicador; a espanhola, especialista em educação de adultos; e o alemão, engenheiro. Depois de terem visitado a França, a Bélgica e a Espanha, chegaram a Portugal. Entraram por Vilar Formoso, com destino a Elvas. Aqui, tiveram algumas dificuldades de comunicação. Resolveram ir de novo para Espanha, para a cidade de Badajoz. Como havia duas estradas, que indicavam esta cidade, decidiram perguntar a dois velhotes, dois compadres alentejanos, que descansavam debaixo de um chaparro.
Depois de negociarem em que língua seria mais prudente perguntarem, o jovem inglês impôs a sua, dizendo:
? Hoje toda a gente sabe falar inglês!
Decidiram, então, pedir informação em língua inglesa, inquirindo os compadres alentejanos:
? What is the besser strass nach Badajoz?
Porém, nem uma nem duas.
Os jovens falaram entre si em inglês e decidiram que talvez fosse mais adequada a língua francesa.
Então, perguntaram:
? S'il vous plait, est-ce que vous pouvez m'enseigner quel est le mieux chemin pour aller a Badajoz ?
Os velhotes continuaram a desfrutar da sombra do chaparro, sem entenderem o que os amigos queriam dizer.
Decidiram perguntar em alemão:
? Was ist die besser strass nagh Badajoz?
Como não obtiveram qualquer informação, perguntaram em castelhano:
? Cual es la mejor carretera para ir a Badajoz?
Todavia, os velhotes continuaram mudos e quedos, em relação à conversa dos amigos. Mas, na sua imensa sabedoria, comentaram:
? Estes rapazes é que sabem muitas línguas!...
Num mundo cheio de sinais e de códigos, é difícil criar pontes de comunicação. Todavia, a nossa capacidade de entender os outros e de se fazer compreender por eles, não se esgota em meia dúzia de línguas. Só com uma "pedagogia de abertura", que permita viver os conhecimentos e conhecer as vivências, é que poderemos mergulhar na magia e na aventura do agir comunicacional, apostando na negociação de sentidos e significados.
Perante este cenário, povoado de discursos monoculturais e imposturas linguísticas, se queremos contribuir para a construção de uma Europa multilingue e intercultural, protegendo a diversidade linguística e cultural, é imperioso atender às recomendações do Conselho da Europa (2001: 22): "evitar os perigos que possam resultar da marginalização daqueles que não possuem capacidades necessárias para comunicarem numa Europa interactiva".
Além disso, é importante conhecer e compreender a relação entre o mundo de onde se vem e o mundo para onde se vai, pois a perspectiva do outro favorece a eliminação de preconceitos, estereótipos e formas de exclusão. Neste contexto, Besalú Costa (2002: 39) sublinha: "educar a partir do outro é o novo paradigma educativo. A Europa desenvolveu uma cultura da identidade, mas não uma cultura da diferença. Todos os diferentes têm sido sistematicamente marginalizados e reprimidos: tanto os de fora (colonialismo, escravidão...) como os de dentro (pagãos, hereges, mulheres, pobres, ciganos, deficientes...). Desde sempre a diferença tem sido vista como uma ameaça para a própria identidade: o diferente gera medos, infere suspeitas".

Referências bibliográficas:

  • BESALÚ COSTA, X. (2002). Diversidad cultural y educación. Madrid: Editorial Síntesis.
  • CONSELHO DA EUROPA (2001). Quadro europeu comum de referência para as línguas ? aprendizagem, ensino, avaliação. Porto: Edições ASA.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 164
Ano 16, Fevereiro 2007

Autoria:

Américo Nunes Peres
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) - Pólo de Chaves, Vila Real
Américo Nunes Peres
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) - Pólo de Chaves, Vila Real

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