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TLEBS talvez não. Mas... e o resto?
Assistimos hoje a mais uma luta relacionada com o ensino do Português, a luta com/contra a chamada TLEBS (a nova Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário). O que a discussão não diz é que ela é parte duma questão muito mais vasta relacionada com os programas de ensino em Portugal.
Toda a gente conhece os péssimos resultados em Matemática do 7.º (pelo menos) ao 12.º ano. Muito menos gente sabe que os (relativamente) melhores resultados em Português escondem uma situação talvez ainda pior. Tudo se prende com a forma como o ensino está organizado, de que a organização das matérias a leccionar e a elaboração de programas (e dos manuais que os procuram seguir) são partes fundamentais.
Ao nível do Português, da Língua e da Literatura, podemos dizer que a confusão é total. Se até aqui ainda havia a Gramática como conjunto de conceitos reconhecidos, com os quais se podia ensinar e trabalhar, hoje em dia uma escola básica/secundária nem com essa sabe o que fazer.
Veja-se o seguinte exemplo (aparentemente, já tendo em conta a TLEBS) dum dos manuais correntemente utilizados no 7.º ano (para alunos, portanto, de 12/13 anos de idade): «os determinantes classificam-se em duas subclasses: a dos artigos e a dos determinantes (demonstrativos e possessivos)». Não é preciso saber alguma coisa de Gramática para perceber que algo está errado com isto: os determinantes são, em simultâneo, classe e subclasse?... A seguir diz-se: há os "determinantes demonstrativos" e os velhinhos "pronomes demonstrativos". Os primeiros: "definem a posição da entidade designada pelo nome, tendo como ponto de referência as pessoas da enunciação". Os segundos: "estabelecem uma posição, tendo como ponto de referência as pessoas da enunciação". Já não digo, "descubra as 7 diferenças". Digo apenas: "descubra uma..."
Escusado será dizer que em todos os outros ramos de estudo relativos ao Português (Estilística, Léxico, Prosódia, Sintaxe, História da Literatura etc.) estamos na mesma. O soneto "Sete anos de pastor Jacob servia" de Camões serve, num manual do 10.º ano, para estudo do «sujeito». Fazem-se exercícios e preenchem-se quadros e diagramas com a "análise" desse poema e do seu sujeito. Ninguém reparou, aparentemente, que esse soneto não tem sujeito! E ninguém se lembrou de explicar porque Jacob (a personagem aqui transformada em sujeito...) se pronuncia Jacó (porque um aluno médio do 10.º ano hoje não conhece tal nome)... Se não tiverem um professor que mande rasgar (à boa maneira do filme "Clube dos Poetas Mortos") o manual, os alunos vão "aprender" acerca do "sujeito" inexistente dum dos mais famosos poemas do mais famoso poeta português, o «Jacóbe»...
Os alunos, queira-se ou não, são "convidados" a "aprender" coisas destas às centenas, coisas que não fazem qualquer sentido! E "aprender", neste caso, tende a ser sinónimo de "marrar". Como podemos nós falar das necessidades do país em formação, se a formação que damos está a este nível?!
Quem faz os programas? Com que fundamentos se elaboram os manuais? Tudo parece sair de moscas à volta do bolo do Ministério da Educação. Lamentavelmente, a Associação de Professores de Português (APP) parece muitas vezes dar o seu aval a algo que só lhe poderia merecer a mais completa rejeição. Agora apoia a TLEBS. Em Pareceres de há 10 anos sobre os Programas de Português do Ensino Secundário, a APP escrevia frases espantosas como esta: "Fazer compreender que o pensamento humano se foi modificando, não justifica o conhecimento dos períodos literários enquanto tais". Ou como esta: "Quanto aos programas das disciplinas de Literatura Portuguesa e de Literaturas de Língua Portuguesa, espera-se que eles não venham a revelar-se programas de História da Literatura". Já começamos a perceber porque é que os jovens de hoje não fazem a mais pequena ideia daquilo de que se está a falar quando se diz "literatura medieval" ou "movimento romântico"...
A acrescentar ao descalabro dos amigos e sobrinhos que fazem programas, das declarações da APP e dos manuais escolares, temos um elemento novo: a Internet. Regra geral, os materiais existentes "em rede" para aprendizagem do Português são, no mínimo, fracos. Muitas vezes são bem piores do que isso. É possível que um poema de Sá de Miranda continue a ser um poema de Sá de Miranda depois de lhe trocarem algumas palavras, ao gosto do freguês? Pois é isto que se encontra na Internet. O disparate não tem, evidentemente, autores.
Resumindo: a TLEBS, pelo menos tal como está a ser implementada, é uma asneira pedagógica. O problema está em que andamos com asneiras científicas e pedagógicas há 30 anos, sancionadas por um Estado incapaz de pôr as pessoas certas nos lugares certos, de encorajar o bom e penalizar o mau. Que ao menos a boa gente de Portugal não se deixe enganar: não é porque os manuais usam papel lustroso, têm muita cor e até incluem um CD-ROM, que são bons; não é porque os seus filhos têm aulas com a extensão dum jogo de futebol que aprendem mais; e não é porque os seus filhos chegam a casa com boas notas que aprenderam alguma coisa, por pouca que seja, que se deva de facto saber.
E agora falem-me da Finlândia...

  
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Hélio J. S. Alves

Hélio J. S. Alves

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