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Socorro, sou violentado
Esta manhã quando abri o jornal EXPRESSO, aprendi que sou professor de quadro numa escola e um dos 24 agrupamentos mais violentos do país. Não sabia.
Lembro-me de situações de trabalho difíceis. Isto sim. Mas nunca me tinham dito que a profissão era fácil. Aprendi com o Fernand Oury, nas zonas suburbanas de Paris, nos anos setenta, que se trata de uma profissão difícil.
O que é novo, é o aviso que o jornalista me dá: cuidado, está a trabalhar numa escola onde há uma concentração de crianças e jovens que lhe querem potencialmente mal.
Parece-me que a lista de escolas a que se refere é aquela que o Ministério de Educação incluiu nos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), por serem escolas com populações com carências sociais ou económicas, ou/e porque ainda revelam uma taxa de insucesso e de abandono acima da média ou/e porque existem problemas de violência.
E lembro-me ter sido convidado pelo conselho executivo, com os outros professores da escola, para uma reunião para sugerir acções possíveis no quadro da integração neste grupo TEIP.
Porque, é verdade, existem carências na nossa escola.
Sabemos quais.
Assim, sugerimos um trabalho mais próximo com a comunidade, o que alguns na escola já fazem voluntariamente e com fracos recursos.
Sugerimos insistir com a Câmara para finalmente arranjar os espaços exteriores da escola, para resolver o acesso à piscina e aos equipamentos polidesportivos construídos pela Câmara, mas que ficam vedados à escola pública por falta de meios públicos.
Sugerimos reforçar algumas verbas para aquisição de material didáctico necessário.
Sugerimos mais algum enquadramento técnico, e reforço de meios para, como o currículo o prevê, algumas aulas poderem ter um carácter mais experimental.
Sugerimos porque sabíamos que o que propomos é possível.
Falamos de equipamentos didácticos que já tivemos, mas que têm que ser renovados ciclicamente e para os quais parecia não haver dinheiro.
A escola já teve acesso à piscina, mas pelos vistos deixou de ser "economicamente sustentável". Existe um projecto há vários anos para o rearranjo dos espaços exteriores, mas fica pelo projecto.
Na escola, nunca desistimos de trabalhar conscientes dos meios que temos.
Não ficamos de braços cruzados, sonhando com meios que não temos.
Porém, parecia-nos que estar integrado no grupo TEIP poderia ajudar a concretização de alguns destes sonhos: aumentar a rede de informática, colocando a Internet nas salas do 1º ciclo, arrancar com o laboratório de ciências, adquirir mais material didáctico e voltar a insistir que se disponibilize uma verba para o arranjo exterior.
Mas, pelo teor do artigo do EXPRESSO, a minha escola, como as outras referidas na lista, não tem outro problema senão servir um público violento.
Cheguei a pensar que esta notícia prepara o terreno para justificar a compra de câmaras de vigilância em vez de equipamento didáctico. Oxalá que só se trate de um pensamento delirante.
Entretanto não posso deixar de me sentir violentado.
Violentado por um poder político que fecha populações inteiras em guettos sociais, encapsulando cada vez mais a escola entre novos bairros de habitação.
O edifício mais baixo do bairro é neste momento, a escola, à volta da qual todos os espaços abertos tendem a desaparecer.
Parte das agressões na escola, não sei se contabilizadas no EXPRESSO derivam do facto que as crianças, nos intervalos têm, com excepção de alguns jogos tradicionais pintados por professores voluntários no pouco cimento que resta, um recreio, cheio de lama, propício a correrias, choques e encontrões, com toda a agressividade que daí resulta.
Violentado por uma burocracia que, por razões de eficácia, dificulta cada vez mais o acesso às senhas de almoço por parte das crianças que a elas têm direito por lei.
Não sei se foram contabilizados no artigo do EXPRESSO, mas parte dos roubos na escola, são roubos de senhas, devido ao facto que, com frequência, a pessoa responsável que deveria estar no local de atendimento ao público, onde os pais podem levantar as ditas senhas regularmente não aparece.
Violentado por sentir que não existe nenhuma atenção ao trabalho interessante e interessado que se desenvolve apesar das dificuldades, preferindo-se espalhar notícias dignas de qualquer jornal tablóide.
Bastava ver, na sua página na Internet, por exemplo, ver em que projectos se envolve a escola pública, para perceber que existe um esforço por parte de um corpo docente que, em muitos casos, continua a não pertencer ao quadro da escola, para melhorar a auto-estima das crianças e dos jovens com quem trabalha.
Violentado por sentir que se culpabilizam as crianças e os jovens de serem o que são, omitindo tudo que lhes é sistematicamente retirado ou vedado.
Violentado pela forma parcelar como são colocados problemas complexos.
Violentado.

  
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Pascal Paulus
Escola Básica Amélia Vieira Luís, Outurela
Pascal Paulus
Escola Básica Amélia Vieira Luís, Outurela

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