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A gestão democrática porque nós lutamos
Um dos baluartes do 25 de Abril, nas escolas, foi, sem dúvida, a gestão democrática. A nível sindical, batemo-nos por ela, como um pai por um qualquer filho, sempre predilecto.
Agora que por esses corredores - que nunca sabemos bem onde ficam - já se vai sussurrando que Maria de Lurdes Rodrigues e o Governo, após a tão apressada e atabalhoada aprovação do novo Estatuto da Carreira Docente, se preparam para apresentar (impor?) novos tipos de gestão, importa reflectir um pouco sobre o que foi acontecendo ao longo de mais de 30 anos.
A gestão democrática por que pugnámos trazia na sua essência, principalmente, uma índole participativa. Pretendia-se não só que houvesse eleições democráticas dentro das escolas, mas também que os representantes eleitos fossem a voz activa de quem neles tanto confiara e os executores de formas de democracia participativa e implicada nas escolas. Sobretudo tratava-se de: Educação, Formação Cívica, Exercício da Cidadania.
Nos primeiros anos, era mais ou menos o que acontecia. Havia assembleias de professores, ou de alunos, ou de funcionários, ou de escola; discutia-se veementemente as realidades sem pruridos, trocavam-se opiniões desiguais, concordava-se ou não; mas o essencial é que tudo isso representava uma mais-valia enorme: todos detinham no seu conhecimento, para parafrasear, ainda, Kirkgard, a rua em que viviam e não só a lua.
O cansaço em relação a certos valores, o esquecimento, a acomodação e até o comodismo colocaram, porém, muitos órgãos de gestão a léguas de distância desses ideais de Abril.
Em primeiro lugar, ainda que democráticas, as eleições passaram rapidamente a fazer-se primeiro só com duas e depois com uma só lista, ou seja, quase ninguém quis concorrer a um lugar que parecia não ter qualquer interesse e se apresentava como somente adequado ao "estômago" de alguns.
Em segundo lugar, muitos destes democratas desapareceram para sempre, enquanto outros permaneceram na eternidade da sua "vocação" administradora. Destes últimos, alguns desenvolveram óptimos trabalhos nas respectivas escolas, mas outros enveredaram por caminhos a que chamam corporativistas, na defesa imperturbável dos professores e às vezes principalmente de grupos de professores, fossem quais fossem as atitudes destes, o que nem sempre pode ser aceitável numa sociedade democrática, sobretudo se se pôs em causa os direitos dos alunos e dos cidadãos em geral. Naturalmente, a entreajuda, a amizade, a compreensão e a tolerância entre colegas são qualidades inestimáveis. Mas que isso não signifique que a escola cria demasiadas facilidades, por exemplo, para filhos de docentes, quer nos vários tipos de apoio logístico (cantinas, etc.) como às vezes se ouve dizer nos autocarros e não deverá senão ser invenção, se não estaríamos a falar de corrupção ou a outros níveis. Ou que conselhos directivos / executivos, permanecendo com a mesma composição mais de vinte anos no pelouro, se esqueçam de criar dinâmicas democráticas nas escolas, nomeadamente dando expressão às assembleias de escola, apoiando as associações de pais, promovendo assembleias de delegados de turma e reuniões de funcionários. E ouvindo conclusões, dialogando e executando de acordo com os outros membros da comunidade.
Um dos perigos mais evidentes desta gestão democrática, que em certos casos parece bastante deturpada e sem a sua índole inicial, prende-se exactamente com o aproveitamento que o Ministério da Educação (ME) tem feito ao reunir com os conselhos executivos como se eles fossem somente servidores do ME e não representantes das comunidades escolares; isto é, fazendo deles uma espécie de capatazes transmissores de ordens e não pólos de diálogo. Foi visível para todos, neste processo, que houve conselhos executivos que obedeceram piamente, outros que foram ainda mais além e inventaram até o que não tinha sido dito pelo ME e outros que, felizmente, mantiveram o espírito crítico que só é possível se houver nas escolas espaços e tempos verdadeiramente democráticos, implicados e de participação activa.
Será por estes últimos, por esta gestão democrática, que lutaremos até ao fim.

  
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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