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Leitura para jovens: um desafio
Cativar o jovem para a leitura exige enredos interessantes e que suscitem identificações com o quotidiano. Ou que os faça sonhar, hipóteses e perspectivas de vida num mundo cinzento em que crianças e particularmente adolescentes vivem, estes últimos numa fase difícil e em ruptura com o mundo dos adultos pela natureza da própria adolescência.
O livro pode ser um excelente companheiro, caso consiga num mesmo enredo integrar, equilibradamente, os diferentes aspectos que interessam a um jovem do século XXI.
Não é fácil o escritor responder a um determinado quadro de exigências se a sua infância e juventude foi vivenciada num contexto histórico diferente, em que as mentalidades levantavam perguntas que hoje já não se fazem, ou por já estarem respondidas ou não serem as mais adequadas.
Na minha infância e pré-adolescência, deleitava-me com os livros da escritora inglesa Enid Blyton, autora polémica e nem sempre bem vinda nos meios escolares e educativos. Mas sabia cativar o jovem para a leitura, independentemente das críticas que lhe possam ser dirigidas. Os seus enredos envolviam o leitor e eram dotados de um indelével realismo que facilmente nos faziam sonhar com aventuras similares. Nos livros dos cinco, dos sete e das diversas séries da escritora, para as camadas na altura denominadas juvenis (8 - 13 anos), não havia sobrenatural, feiticeiros, dragões, colégios para jovens bruxos, mas a magia de um mundo onde os adultos não estavam presentes, ou pelo menos não se encontravam próximos, conferia a quem lia um sentimento de liberdade difícil de descrever; o leitor rapidamente passava a ser um dos personagens e os problemas a serem resolvidos pelos jovens constituíam um desafio. Só no final, o castigo dos bandidos e o prémio dos vencedores exigiam a intervenção dos adultos.
Actualmente, a fronteira entre o bem e o mal já não é tão nítida como nos meados do século XX, burguês e conservador. A relativização dos conceitos e dos valores morais são menos discerníveis para quem escreve e, sendo assim, construir um canal de comunicação com o leitor, simultaneamente cúmplice e educativo, torna-se tarefa própria para um escritor que saiba ser actor; não só conhecer exteriormente a psicologia juvenil dos dias de hoje segundo os modelos de cariz teórico, mas igualmente vivenciar os seus problemas, dilemas e ambições. É fundamental que o escritor para crianças e jovens dos dias de hoje, em que as coisas mudam a velocidades estonteantes, saiba conservar a criança que algures deve residir no seu eu. O primeiro esforço será, pois, procurar dentro de si, para depois sentir à flor da pele e no mais intimo de seu ser o conjunto de estímulos e reacções que uma sociedade mais complicada que complexa suscita nos jovens de hoje. Em seguida, partir sem preconceitos para a tarefa enorme que é escrever para crianças e jovens.

  
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Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

Paulo Frederico F. Gonçalves
Professor, Porto
Paulo Frederico F. Gonçalves
Professor, Porto

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