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Razões para o decrescimento sustentável

Conceitos de crescimento, de decrescimento sustentável e de desenvolvimento ecologicamente sustentável [II]

A política reduz-se a um marketing de caça aos votos e a economia é uma técnica financeira, concebendo apenas índices quantitativos que não levam em conta a vida real das pessoas. O crescimento visa os lucros duma minoria cada vez mais concentrada e instalada no poder, alheia aos impactos desta fossilizada tecnosfera nos ecossistemas.
Por um lado produzem-se necessidades artificiais e compulsivas que geram destruição enquanto as necessidades básicas (alimentação, saúde e cultura) não são satisfeitas em largos sectores da sociedade.
Assim o actual processo civilizacional, hegemonicamente orientado numa perspectiva capitalista e neo-liberal, produz exploração e exclusão social ao mesmo tempo que esgota e contamina a biosfera.
Dezasseis por cento da população mundial gasta 86 por cento dos bens de consumo, enquanto que 84 por cento da população mundial sobrevive apenas com 14 por cento dos bens disponíveis.
Note-se que este fosso tem vindo a crescer duma forma constante, mostrando o carácter concentracionário do capitalismo neoliberal.
Para que esse processo autofágico não se torne irreversível para a humanidade é necessário um modelo civilizacional que regenere o capital natural criando um metabolismo biológico circular que permita reciclar os nutrientes invertendo o processo linear de esgotamento e contaminação. É também necessário que o metabolismo técnico seja reciclável de maneira a que possa servir uma nova ecotecnosfera.
O conceito pedagógico de "pegada ecológica" dos Professores Matis Wackernagel e William Rees(1), fundamentado também pelo World Wide Fund (WWF), pelo Guia dos Recursos Mundiais (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e ainda pelo Banco Mundial revela-nos que o norte-americano médio necessita de 9,6 hectares bioprodutivos para o seu consumo, enquanto que uma grande maioria de povos africanos e asiáticos não atinge um hectare.
A "pegada ecológica" mundial já ultrapassou a capacidade biológica da terra em produzir bens e absorver lixos. Ela sobreconsome. Vive acima dos seus recursos e das reservas naturais.
Se se generalizasse a utilização massiva das energias fósseis e matérias-primas a toda a humanidade, para se atingirem os consumos médios idênticos aos do cidadão norte-americano, seriam necessários três planetas idênticos à terra...
Por isso, os imperativos sociais e ambientais obrigam a uma mudança civilizacional para a sobrevivência da humanidade. O desenvolvimento ecologicamente sustentado só pode implantar-se com o decrescimento sustentado ou seja, a progressiva eliminação das fontes de energia fóssil e a eliminação da produção de materiais esgotantes e contaminantes. Para isso, é imprescindível a eliminação de necessidades secundárias e artificiais empoladas pela sociedade de consumo. Mas o decrescimento sustentável não é feito numa lógica de decrescimento por decrescimento. É apenas a paragem de um processo produtivista insustentável abrindo a porta ao desenvolvimento de uma ecotecnosfera baseada nas energias renováveis, no metabolismo biológico circular capaz de reciclar e regenerar o capital natural e também o metabolismo ecotecnológico capaz de reutilizar, no circuito intergeracional, os bens artificiais.
Esta ecocivilização é uma civilização oposta à civilização do "ter", consumista e predadora, valorizando a dimensão da conviabilidade, do alargamento da consciência e da criatividade, próprias duma civilização e cultura do "ser", como dizia Erich Fromm.(2)
Neste sentido o decrescimento sustentável é um modo complementar e processo imprescindível para regular, duma forma saudável, o desenvolvimento ecologicamente sustentável.
Nas palavras de Pierre Rabhi (3) aparece claramente uma nova ética: "No contexto actual, o decrescimento sustentável, longe de ser uma alternativa regressiva, é um verdadeiro progresso, fundado na escolha de uma lógica que põe finalmente o homem e a natureza no centro das suas preocupações. A economia, a ciência e a técnica, assim como todos os saberes estão ao serviço do homem e da natureza.
Contrariamente a um sistema de exclusão, totalitário e cada vez mais concentracionário, condenado à asfixia, o decrescimento sustentável abre o caminho da criatividade extremamente fértil, à escala humana implicando cada vez mais gente. No entanto, esta opção não terá sucesso se não houver um comportamento individual baseado na moderação e auto-limitação como uma ética de vida e fonte de satisfação interior."
Em Portugal esta problemática é cada vez mais essencial. Não interessa ascender a um crescimento miragem baseado em competitividades que apenas destroem os bens naturais e aumentam a exclusão social. O choque tecnológico deveria ser ecotecnológico. A ciência e tecnologia deveriam tornar-se em ecotecnologia e os desígnios contabilísticos de critérios quantitativos deveriam substituir-se por mudanças qualitativas de qualidade de vida, de solidariedade, de criatividade e conviviabilidade.

Notas:

1) "Notre Empreinte Ecologique", Wakernagel e Rees, Ed. Eyrolles, 2005
2) "To have or to be", Erich Fromm, Ed. CIPB, USA, 2005
3) "Revue Terre et Humanisme", Pierre Rabhi, Ed. Terre et Humanisme, 2006
A primeira parte deste texto foi publicada no número de Novembro


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto
Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto

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