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Carta à Ministra da Educação

Excelentíssima Senhora,
Creia que compreendo o recente elogio do Senhor Primeiro Ministro às suas orientações políticas. Enquadro-as, obviamente, na onda reformista cega e desajeitada de um poder absoluto que arquivou, em 2005, a sua carta de princípios, preferindo alinhar em um dos pressupostos da globalização que, no caso em apreço, o filósofo e Catedrático de Ética, Fernando Savater, consubstancia da seguinte forma: ?(...) só os fanáticos supõem que o principal desígnio da educação democrática é criar escravos satisfeitos?. Olhando em redor sabe-se que assim é. Digamos que o objectivo do governo a que Vossa Excelência pertence, segue, sem pestanejar, as cinco armadilhas da Educação preconizadas por Riccardo Petrella, julgo que ainda Conselheiro da Comissão Europeia e Professor na Universidade de Louvain (Bélgica): 1. ?A instrumentalização da educação ao serviço da formação dos recursos humanos?. Isto é, o recurso humano considerado como mercadoria económica; 2. ?A passagem da educação do campo do não mercador para o do mercador?. É a educação considerada como um grande mercado; 3. a educação ?como um instrumento-chave da sobrevivência de cada indivíduo? (...) na era de competitividade mundial, o que transforma a escola num lugar onde, subtilmente, se aprende uma cultura de guerra; 4. a ?subordinação da educação à tecnologia?, pois a mundialização sendo filha do processo tecnológico logo tem de fornecer à educação os instrumentos de adaptação ao pensamento único; 5. ?a utilização do sistema educativo enquanto meio de legitimação de novas formas de divisão social?, isto é, uma sociedade dividida entre qualificados e não qualificados, entre os que dominam o conhecimento e os excluídos desse acesso. Portanto, Excelentíssima Senhora, como advertiu Oscar Wilde, citado em El Valor de Educar, de Fernando Savater, ?a educação é algo admirável, no entanto, convém recordar, que as coisas que verdadeiramente interessa saber não podem ser ensinadas?. O problema está aí. Mundializaram-se os interesses económicos mas nunca os direitos básicos do Homem. Significa isto que não são os professores e, neste caso, o Estatuto da Carreira Docente que limita uma Educação que, uma vez mais, na palavra de Savater, não consegue despertar o apetite de mais educação e, portanto, de novas aprendizagens. Não são os professores os responsáveis pela genérica incapacidade política dos 26 ministros da educação em 32 anos de sucessivos governos. Vossa Excelência, por uma questão de honestidade, não pode, por isso, encostá-los à parede na praça pública, metralhá-los com palavras e actos, espoliá-los dos seus direitos e torná-los bodes expiatórios de erros de processo cometidos por outros. Eles não são os responsáveis, como salientou, recentemente, o Psicólogo Eduardo Sá, pela existência de ?pais maltratantes? que não sabem, não podem e não percebem que ?as crianças educam-se de dentro de casa para dentro da escola?. Não foram os professores, Senhora Ministra, que geraram as assimetrias sociais, económicas e culturais, tornando a escola num local de remediação. Não foram os professores que burocratizaram o ensino e homologaram programas extensos, desarticulados e inconsequentes. Eles não são, na generalidade, os responsáveis pela indisciplina, pelo insucesso, pela violência que brota da sociedade e que entra, na escola, de forma preocupante. Não pode culpá-los pela desresponsabilização dos pais, pela sobrelotação das turmas, pelas erradas opções em sede de Orçamento de Estado para a Educação e pela incapacidade de organizar a escola no sentido da transmissão do amor intelectual e humano.
Saiba, no entanto, que há muito por fazer no sistema. Há muitas roturas programáticas e organizacionais a operar, rotinas a desfazer, disciplina e autoridade a restabelecer, qualidade e rigor a defender. A solução política, parece-me assim óbvia, não passa, permita-me a expressão, por um miserável ataque ao Estatuto da Carreira Docente, nitidamente economicista e absolutamente ineficaz no que concerne à descoberta de um caminho para a excelência.
Eu sei, Excelentíssima Senhora, que aceitou ser Ministra sem um currículo apropriado no Sistema Educativo. Todavia, creia que esperava outra capacidade de observação dos factos e de intervenção política face ao seu Doutoramento em Sociologia. Por isso, espero que não seja Ministra demasiado tempo porque as suas políticas são, do meu ponto de vista, as melhores respostas para um problema errado.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 158
Ano 15, Julho 2006

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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