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Necessidade, Desejo e Projecto em Educação: Um Debate de Crises e Vazios

Hoje em dia quer-se acreditar que a Educação, neste caso na figura da Escola, deseja um poder e um exercício de comando, a independência de uma exigência, no fundo; mas a crise que sustenta, objecto continuadamente recuperado pelos discursos sociais, ainda acredita num discurso científico (elemento da sua justificação) próprio da Ciência da Educação nos primórdios do séc. XX ? a suave educabilidade do aluno, o fascínio pela harmonia do desenvolvimento humano, ou a escolarização como tradução e via da democratização. Do mesmo modo que para Bruno Latour a batalha pela composição de um mundo comum só se pode contentar com a incerteza dos próprios riscos da perda, é de supor que algo parecido aconteça com a realidade escolar, tal como hoje nós a conhecemos, reflectida na descrença de si, no desejável de um Desejo impraticável, mitigando a incerteza dos meios, dos fins, dos sujeitos que a visitam: agindo num vazio, vazio que, sendo de natureza colectiva, tem implicações não só na dimensão do individual, mas sobretudo na do social. No contexto de uma Escola que já não parece ansiar uma solução administrativa, tecno-legal ou simplesmente jurídica para o que o mundo de si deseja, o Vazio representa, não um fenómeno que acontece no sujeito, meramente a título individual (porque sente que perdeu algo em relação a ela), mas mais um fenómeno que é constitutivo da racionalidade subjacente ao Projecto Antropológico da Escola e que serve de justificação para um sentido mais amplo de Educação enquanto projecto e realização humana. É neste sentido que se considera que a ?crise da escola?, quando se fala em crise da escola, será antes de mais uma crise antropológica, crise submersível num vazio pelo reducionismo de intervenções de critérios tão-somente administrativos; e este vazio é sentido sempre como crise, um apuro devassado. Poderá até, em certa medida, ser antes um cúmulo, empregando a expressão de Daniel Hameline, que pela saturação do desejo de aliança da Escola aos desejos do social, acaba por revelar necessariamente a sua desmedida e desconfiança, até porque o social (lhe) deseja sempre mais e até porque o projecto de instrução não instrui terminantemente o Desejo.
E como é sabido, a impossibilidade de se ser satisfeito é a marca principal do Desejo: o objecto do desejo é o Desejado que, ao invés de cumular, estimula e, portanto, ele é assim uma espécie de entidade animada pelo desejável que é revelação ? é da ordem da infinitude, de "um futuro sem balizas sobre mim", diria Levinas. Enquanto princípio gerador que se fixa num todo inerente ao fazer, ao agir e ao criar, o Desejo é entendido como estando para além da Necessidade e esta, geralmente, e como que por oposição, é vista como algo que cumula um vazio. Todavia, a Necessidade, quando concebida como simples privação, é como se fosse captada no seio de uma sociedade desorganizada, diria mais uma vez Levinas, ?que não lhe deixa um tempo nem consciência?, simbolicamente interpretada como tratando-se de uma simples falta ou de uma carência elementar passível de ser preenchida pela acção do sujeito, pela satisfação, pela absorção do conhecimento: a responsabilidade pela satisfação das necessidades assim entendidas é só e apenas do indivíduo. E contudo, quer a Necessidade, quer o Desejo, possuem uma dimensão Projectual que transgride o pragmatismo individual: tratando-se de uma representação da acção, o Projecto antecipa a realidade de acordo com o Desejo de tornar presente a realidade dos próprios objectos.
Actualmente, no âmbito da importação da linguagem das competências, das performances e das habilidades para o campo educativo escolar (e não-escolar), teria algum interesse debater-se o estatuto e o papel do Projecto em Educação, na relação com as dimensões da Necessidade e do Desejo. Num contexto social e mediático saturado de opiniões, de propostas de acção, de sugestões e de críticas mais ou menos informadas, o ponto de vista sobre a construção das liberdades em educação é diverso. E no entanto, nas nossas duas últimas décadas, o papel do Projecto tem vindo a ser evocado enquanto solução (prática) para os problemas educativos e escolares e, também, como instrumento de gestão (política) de uma crise armadilhada no sistema educativo português. Mas até que ponto é que o Projecto realiza a necessidade de aprender e o desejo de saber? Onde anda a sua intencionalidade criadora, fundamento afinal da novidade e das liberdades?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Paulo Nogueira
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
Paulo Nogueira
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

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