O debate cheira a bafio, mas continua a animar fóruns televisivos e páginas de jornais. Nuno Crato, por exemplo, afirma que uma das razões que explica, hoje, o insucesso escolar dos nossos estudantes tem a ver tanto com as lacunas e o pouco tempo dedicado à formação científica dos seus professores como com a prosperidade curricular das disciplinas relacionadas com o universo das Ciências da Educação no âmbito dos projectos de formação inicial para a docência. Se há quem entenda isto como uma provocação, uma manifestação típica do exercício de má-língua em que os arautos do conservadorismo pedagógico se têm vindo a especializar, há, no entanto, quem responda a afirmações deste tipo, tentando justificar a importância da formação pedagógica dos professores como um factor que contribui para configurar o espaço que permite identificar a especificidade dos seus saberes profissionais. Nós, ao contrário, não nos atrevemos nem a manter o silêncio nem tão pouco a contribuir para dicotomizar o tempo e o espaço relacionados com a formação inicial de professores. Se é certo que não é a excelência dos conhecimentos em Matemática, em Físico-Química ou em História que garantem a excelência do desempenho profissional dos docentes, também é certo que este desempenho não melhora só porque somos capazes de discorrer com propriedade acerca de conceitos tão pertinentes como o de violência simbólica, o de conflito cognitivo ou o de zona de desenvolvimento potencial. Isto não significa que a excelência dos conhecimentos científicos relacionados com as diversas áreas do saber ou o domínio de conceitos derivados da Psicologia e da Sociologia da Educação não têm nada a ver com a qualidade das práticas profissionais dos professores, mas tão somente que é necessário discutir como é que uns e outros contribuem para que estas práticas possam constituir uma condição necessária ao desenvolvimento de aprendizagens sólidas e significativas por parte dos alunos e, neste sentido, como é que contribuem para a sua formação pessoal e social. Não se põe em causa, por isso, que a formação científica de um professor possa proporcionar as condições necessárias para que este dialogue com os seus alunos, configure os desafios a propor-lhes ou defina as estratégias de interpelação a que os terá que submeter. É também essa formação científica que poderá permitir que um docente possa gerir os conflitos e os confrontos epistemológicos que necessariamente ocorrem no âmbito de qualquer sala de aula e, deste modo, as competências pedagógicas desse docente não poderão ser dissociadas daquele tipo de formação. Sabemos, no entanto, que a formação científica tem vindo a ser assumida, sobretudo, como a chave que permite ao professor deter a solução dos enigmas que vai propondo aos seus alunos, o que não pode deixar de ser associado a uma formação pedagógica que se lhe justapõe e que, como tal, é pouco útil, já que não contribui para estimular ou para ajudar a sustentar o diálogo, os desafios e os confrontos atrás referidos. Deste modo, continuar a apostar na dicotomização do campo da formação inicial dos professores é o mesmo que nos obrigar a optar entre nada e coisa nenhuma. É que a dimensão pedagógica de um projecto que se situe no seio daquele campo deverá estar presente no modo como se concretiza a formação científica nesse âmbito, do mesmo modo que a possibilidades de os alunos se apropriarem dos saberes já estabelecidos é potenciada por via da formação pedagógica quando esta contribui para que os futuros docentes compreendam como o acto de aprender é mais do que um processo de descoberta um processo de construção no seio do qual os professores ocupam uma posição estratégica privilegiada como actores que permitem andaimar os percursos de aprendizagem dos seus alunos, estabelecer as condições dessa aprendizagem e contribuir, por esta via, para que as escolas se constituam como contextos culturais e educativos. Em suma, de acordo com esta perspectiva, a formação científica no âmbito da formação inicial de professores deverá ter em conta e de forma intencional o propósito profissional que orienta este tipo de formação, do mesmo modo que a formação pedagógica deverá contribuir, sobretudo, para que um professor possa utilizar a sua formação científica como instrumento de intervenção educativa. Com Bolonha à vista e os planos anunciados pelo Ministério da Educação para a formação inicial será que a perspectiva acabada de defender continua a ser uma perspectiva exequível? Quando se sabe que os cursos de formação de professores dos 2º e 3º Ciclos e do Ensino Secundário se deverão desenvolver em função de dois grandes momentos, um primeiro onde se tenderá a privilegiar a formação científica e um segundo onde se parece querer valorizar a formação pedagógica, o que é que se poderá fazer para que não se tenha de optar entre nada e coisa nenhuma? E será possível fazer alguma coisa de jeito se não se puder mudar o cenário da formação inicial de professores que se define a partir de um projecto bi-etápico?
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