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A guerra é uma parte do negócio

O primeiro-ministro do Irão Mahmoud Ahmadinejad não é muito diferente de outros dirigentes políticos. Ele até segue o exemplo de Bush, aposta na retórica militarista como forma de ganhar prestigio e resolver alguns problemas internos.
Entretanto, cá pelo Ocidente, está na moda fazer uma campanha de diabolização quando os adversários políticos não nos reverenciam e obedecem. Esses adversários deixam de ser pessoas para serem diabos em figura de gente. Foi o que aconteceu a Saddam e é  o que está a acontecer ao primeiro ministro do Irão.

A decisão de controlar o Irão é anterior à invasão do Iraque. E só não se avança à doida porque o Iraque complicou tudo. O controlo do Irão é essencial para o controlo do mercado mundial do petróleo. Para além da sua importância como 4.º maior produtor mundial de crude, se por qualquer razão o governo deste país  decidisse bloquear o estreito de Hormuz, que dá acesso ao Golfo Pérsico, 40 por cento do petróleo mundial ficaria bloqueado. Ora isso é um poder que as grandes petrolíferas, e os governos ao seu serviço, não podem tolerar.
A actual questão iraniana não é um problema de energia atómica mas de energia petrolífera. Se o governo iraniano se entregasse sem reservas nos braços das grandes petrolíferas, não só podia ter energia nuclear como o apoiariam na sua produção. Na vizinhança, Israel, o Paquistão e a Índia possuem armamento nuclear. Israel não descarta o uso de todas as formas de violência para impor os seus interesses. A Índia, com as suas castas, não é propriamente um modelo de respeito pelos direitos humanos. O Paquistão é governado por uma ditadura militar, que recorre com presteza à guerra, e a sua população não é menos fundamentalista do que a iraniana no que respeita à religião. Mas estes países têm todo o apoio do Ocidente como o têm as outras ditaduras do Médio Oriente que deixam o petróleo nas mãos dos que controlam o mercado mundial desta energia.
A propaganda do mercado capitalista vem justificando os preços altos do crude como sendo o resultado do desequilíbrio entre a oferta e a procura, mas isto é uma falácia.  Actualmente, o preço médio do barril de crude no produtor é de sete dólares. Nalguns países o preço de produção anda à volta dos dois dólares o barril e noutros pode abeirar-se dos dezassete dólares. Muito longe dos preços a que é vendido no mercado e que no dia em que escrevo atingiram 75,35 dólares. As grandes petrolíferas, donas do negócio, multiplicam por dez o custo no produtor. São lucros fabulosos que só a ganância de um capitalismo sôfrego e sem ética pode explicar.
O negócio mundial de petróleo é controlado por sete gigantescas petrolíferas. Há capitalistas com interesses em mais do que uma. O capital destas companhias faz com que elas se parasitem e criem interesses comuns. A concentração, neste como noutros ramos, está à vista. Não há verdadeira concorrência. Os preços altos servem a todas. Só é preciso criar o clima político que permita manter os preços lá em cima. Os governos ajudam e o povo paga. A crise iraquiana e agora a iraniana são alguns dos artifícios de que lançam mão para criar o «clima de incerteza» que «justifique» a subida dos preços. Não se notam esforços para reduzir o consumo nos países que esbanjam esta energia.
A população americana representa cinco por cento da população mundial e consome 25 por cento da produção mundial de petróleo. Os EUA têm o consumo energético mais irracional do mundo. É o país mais dependente do petróleo e tem feito pouco para promover a poupança e outras fontes de energia. A sua grande aposta é no controlo da produção e comercialização mundial do crude que é, há décadas, uma das suas maiores áreas de negócio. É histórico que qualquer país produtor que pense este negócio de forma mais autónoma  tenha de imediato os serviços secretos e o exército americano à perna. Os exemplos multiplicam-se pelo mundo fora, e ao longo do tempo, dando uns mais nas vistas que outros. Nenhum país produtor se sente em segurança e em paz enquanto não entregar este negócios às sete magníficas que o controlam a nível mundial. Assim como assistimos ao domínio de outros países produtores ? veja-se o caso de Angola ?  vemos agora em preparação o controlo do Irão. Há três anos a  justificação era o «eixo do mal» e a guerra ao «terrorismo».  Agora Mahmoud Ahmadinejad ofereceu à propaganda dos interesses o pretexto da energia nuclear.
Se nos é permitida a ironia, diríamos que o clima internacional só não é mais grave porque o presidente Bush tem como seus  conselheiros os militares escaldados e queimados na guerra do Iraque e não os «comentadores» portugueses que poluem a nossa comunicação social. Um tacanho representante desta estirpe dizia em comentário na Antena I: «vamos à guerra, eu sou a favor de soluções rápidas, se temos de atacar é atacar já». Um outro escrevia num diário que «o uso da bomba atómica cirúrgica não pode ser descartada, deve antes ser utilizada». Não defendem uma invasão terrestre porque o Iraque não lhes liberta tropas para tal façanha e as nossas são poucas e andam rotas e esfarrapadas. Vão defendendo bombardeamentos continuados e «selectivos», se necessário com recurso à bomba atómica! Nos EUA um «cientista», fervoroso adepto da guerra, depois de listar o desastre que seria para o povo iraniano e para o mundo um ataque ao Irão, mesmo assim, termina dizendo: «não podemos deixar que tenha armas nucleares alguém que acredita no regresso do 12.º imã e no fim do mundo». Pelos vistos a posse de armas nucleares é uma reserva e um privilégio daqueles que acreditam no regresso de Cristo e no Apocalipse.
O primeiro ministro eleito pelo povo iraniano para o actual governo do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, não me merece simpatia. O fundamentalismo religioso, o conservadorismo nos costumes, a aceitação e fomento da desigualdade, a pena de morte, o desrespeito por muitos direitos humanos merecem condenação. Mas uma coisa é a crítica política, o debate sobre valores e o apoio aos cidadãos iranianos que se batem por uma sociedade mais livre e mais democrática e por maior respeito pelos direitos humanos no seu país. Outra coisa é a guerra. A rapina. O fomento da violência. A negação do «direito dos povos a disporem de si próprios» e dos bens que lhes pertencem e o direito à paz.
A energia nuclear e as armas nucleares são um assunto sério. Os que as têm ? o «clube nuclear» ? não se desfazem delas continuando a aumentar e a refinar os seus arsenais. Os que as não têm pensam que este monopólio do «clube nuclear» é uma ameaça à paz mundial. Neste mundo que continua a armar-se e a negar a via do desarmamento global, julgo trivial que qualquer cidadão iraniano considere normal que o seu país tenha o direito de desenvolver um programa nuclear, «se os outros podem, porque não podemos nós», têm o direito de perguntar. E é também normal que os iranianos, povo e governantes, vendo o que aconteceu no Iraque, tenham a inteligência de pensar que o melhor é terem armas de destruição em massa, uma vez que tendo petróleo correm o risco de serem mais facilmente atacados se as não tiverem.
Para o mundo, o maior perigo não é um fundamentalista islâmico possuir uma arma nuclear, o perigo é dois fundamentalistas, um islâmico e outro cristão, disporem delas e, por causa dos negócios, estarem dispostos a usá-las. Cabe-nos a nós, a opinião pública anónima, escolher a via do desarmamento e não a guerra e sermos capazes de nos unir para o dizer em toda a parte.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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