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Quando a bola pára e pensa o futebol

A cobertura mediática do Mundial de Futebol poderá igualmente auxiliar, em contextos de clubes de jornalismo, o estudo dos géneros jornalísticos e das partes que compõem uma notícia. O conhecimento dos países das equipas que jogam neste Mundial poderá ainda servir de mote para aperfeiçoar o saber sobre a geografia ou sobre a política mundial.

Por estes dias, eu e a minha colega Sara Pereira trabalhamos na edição de um livro que teve como mote o Campeonato do Mundo de Futebol 2006. No entanto, não se trata de uma publicação sobre o Mundial, nem sobre a Selecção Portuguesa. Nada disso. É uma obra que junta jornalistas da editoria do desporto dos canais de TV e investigadores que estudam as repercussões que a cobertura mediática tem no redimensionamento daquele que se considera ser o desporto-rei.
Para começar, proponho como desafio pensar em perguntas sobre o futebol, nomeadamente sobre o tipo de mediatização que dele faz a TV. Hoje o futebol é um mero jogo ou uma poderosa indústria potenciada pela transmissão televisiva dos jogos? Se as bancadas dos estádios são substituídas pelas poltronas das salas com vista privilegiada para um ecrã de televisão que mostra (quase) tudo, que papel terão os jornalistas? Se o futebol não se circunscreve aos 90 minutos da partida, de que modo os canais televisivos poderão promover o debate à volta dos ?donos da bola?? Quem estará habilitado a participar num programa de informação que se propõe debater assuntos ligados ao futebol? O jornalismo desportivo sobreviverá sem marcas adjectivas e despido de traços emocionais? Poderá um jornalista fazer um relato de um desafio de futebol sem violar os princípios deontológicos da sua profissão? No caso da Selecção Nacional, que distância e/ou proximidade o jornalista deverá manter em relação a essa equipa? Se gostamos tanto do futebol, poderemos transformar o tempo que gastamos aí numa fonte de aprendizagem?
Num artigo sobre o relato dos jogos de futebol, Paulo Garcia, jornalista da SIC e relator desportivo da RDP/Antena 1, coloca outras questões: ?Não terá o relator de futebol a obrigação e o dever de transmitir e fazer sentir a quem o ouve as emoções desse mesmo espectáculo? Não terá o relator o direito e a obrigação de se envolver emocionalmente nesse mesmo espectáculo? Não terá o relator o direito de se encantar e a obrigação de transmitir esse encanto, depois de um grande golo ou de uma finta de génio? Não terá o relator a possibilidade de fazer uma narração com um sorriso nos lábios, contribuindo para que o futebol continue a ser o espectáculo das grandes multidões? Claro que sim! Poderemos ainda acrescentar outro tipo de interrogação. Não terá também o relator a obrigação de ser rigoroso, de ser isento e de contribuir para que o seu relato traduza a verdade do espectáculo que chega a milhões de ouvintes, que sentem e vêem o jogo, muitas vezes só através daquilo que o relator lhe é capaz de transmitir? É evidente que sim!?. E esta mistura de registos poderá, na minha perspectiva, constituir-se como uma rica e inesgotável fonte de análise nas aulas de Português.
A cobertura mediática do Mundial de Futebol poderá igualmente auxiliar, em contextos de clubes de jornalismo, o estudo dos géneros jornalísticos e das partes que compõem uma notícia. O conhecimento dos países das equipas que jogam neste Mundial poderá ainda servir de mote para aperfeiçoar o saber sobre a geografia ou sobre a política mundial. Também poderemos aproveitar algumas notícias e promover, em contextos de sala de aula, a educação cívica, tendo, por exemplo, como pano de fundo a questão da violência dos estádios. São estes caminhos da educação para os media que traça o artigo de Eduardo Jorge Madureira, director pedagógico do Projecto ?Público na Escola?.
Na escola, em casa, no café, será conveniente não esquecer que o Mundial é a festa de quem gosta do futebol. O jornalista Carlos Daniel, na parte final do seu texto, faz um jogo interessante de associação livre a partir de nomes de jogadores. Eis alguns excertos: ?Figo é o fruto mais maduro de uma colheita de excepção. Cristiano Ronaldo tem muito da arte brasileira, e tanto talento que só cabe em dois nomes próprios raramente conciliáveis. Eusébio tem a origem humilde, a fogosidade da pantera. É um nome fechado, que tem fim, como cada uma das suas jogadas a acabarem no fundo da baliza. O Benfica devia pendurar a camisola 10 e mais nenhum jogador se deveria chamar Eusébio. Pelé é a cara do Brasil. Simpático, com o couro no pé, malandro e genial. É a síntese suprema do tal país onde abundam os talentos. Pelé é a bola. E de repente, isto até parece fazer sentido. Mais ainda quando o último dos grandes campeões que nos trouxeram até Ronaldinho faz este meu alfabeto terminar com Z. Com os zigue-zagues. De Zidane?. Aposto que qualquer aluno não se importaria de entrar neste jogo.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho
Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho

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