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Do que o Governo não diz e do mal que faz

(...) Há áreas que pela sua importância estratégica para o ser humano, enquanto cidadão individual e para a sociedade no seu conjunto deveriam possuir sistemas de imunidade que impedissem os responsáveis pela acção política de concretizar verdadeiros atentados ao desenvolvimento. A educação é exactamente uma dessas áreas. Chegam e partem os ministros sem que se conheça o projecto educativo que tinham ou têm para o país. Falam de qualificação há décadas. Anunciam combates contra o abandono e o insucesso, reduzindo-os ao espaço da escola. Culpam pais e professores das políticas que os próprios gizaram. Defendem exames desde a mais tenra idade porque as crianças e os jovens não estudam, nem trabalham. Fazem e desfazem circulares, portarias, decretos e leis sempre e só com um único objectivo ? deixar a chancela de quem acabou de chegar e apagar a existência de quem acabou de sair. E neste insano trabalho, não admite o Governo, o ministro que é primeiro ou a ministra, que, talvez, só por uma vez, não sabem tudo das escolas, dos alunos e dos pais. (...)
O ensino do inglês no 3º e 4º anos do ensino básico foi repetentemente anunciado. Diz o Governo que a cobertura é quase total. Não é verdade. Hoje sabe-se que muitas crianças, pelo simples facto desta área disciplinar ser extra-curricular e por isso facultativa, não a frequentam. Para além disso a organização existente nas escolas do 1º ciclo do ensino básico condicionou os horários do ensino da língua inglesa em tempos e espaços incompatíveis com a vida das famílias. Hoje também já se sabe que esta oferta em muitas escolas públicas ou é privatizada ou transferida para a tutela autárquica. O Estado desresponsabiliza-se totalmente pelos processos de ensino-aprendizagem. Ao Governo o que interessa são os números e a diminuição dos recursos humanos e financeiros.
Recentemente, uma professora destas ?inovadoras? aulas de inglês, contratada verbalmente e à hora por uma empresa, cuja sede se situa entre Odivelas e Funchal e que nem o contrato verbal cumpria, denunciou as irregularidades à respectiva autarquia, neste caso Amadora. É, no mínimo interessante, a resposta que obteve e que passo a citar:
?Não temos nada a ver com o assunto, isso é com a sua entidade patronal?; ?Nós pagamos as aulas aos professores como pagaríamos qualquer produto ou serviço ? aglomerado de madeira? ou? uma dúzia de ovos?; ?A única coisa que nos interessa é que as coisas funcionem pedagogicamente?.
Mas as soluções sérias e não discriminadoras eram possíveis, se o Governo quisesse. Os agrupamentos de escola reúnem condições para garantir a leccionação desta área dentro do âmbito curricular e por isso de acesso para todos os alunos. E se houvesse necessidade, a escola poderia recrutar docentes, dos milhares que estão desempregados e profissionalizados. (...)
A extinção que está em curso das escolas do 1º ciclo ultrapassam e muito as razões tornadas públicas. Disse o Governo que seriam 500, depois 1.000, logo em seguida 4.000 e recentemente 4.500 até ao fim desta legislatura e disse que seriam exclusivamente escolas com insucesso escolar superior à média nacional.
Disse o Governo que só seria encerrada uma escola desde que existisse alternativa com condições e disse que seriam encerradas escolas com 10 ou menos alunos. Mas o mais grave o Governo não disse. Não disse que 4.500 escolas encerradas até 2009, significa mais de 60 por cento das escolas básicas do 1º ciclo que funcionam em 2005/2006. Há escolas com 100 por cento de sucesso que vão ser encerradas e serão encerradas milhares de escolas com mais de 10 alunos. O Governo não ouviu a maioria das escolas, dos agrupamentos, das autarquias, dos pais e dos professores. Nem disse que o concurso de colocação de docentes que decorre neste momento já não conta com os milhares de escolas que segundo o Governo deverão encerrar, independentemente da vontade e da opinião de todos os outros interlocutores que, para o Governo, não existem, mas que a Senhora Ministra, diz ouvir, naturalmente depois da porta fechada. (...)
O que o Governo não disse é que esta medida também irá ser tomada para os Jardins de Infância. E antes que algum leitor mais descrente possa considerar esta medida do reino de Ionesco, passo a ler um esclarecimento de uma Direcção Regional dirigido a todos os Conselhos Executivos de Agrupamentos de Escolas:
?À semelhança do que está a ser feito com a rede do 1º ciclo do ensino básico, pelas mesmas razões e pretendendo atingir os mesmos objectivos, estamos também empenhados na requalificação da rede da educação pré-escolar, considerando que, quando confrontados, em muitos casos, com reduzidas frequências, julgamos não estar a contribuir para o sucesso educativo das gerações vindouras.? (...)
O objectivo do Governo é concentrar o maior número de alunos no menor número de estabelecimentos com o mínimo de professores e trabalhadores.   Em momento algum se equaciona sequer a qualidade da resposta educativa ou da melhor solução para as crianças e para os jovens atingidos por tão grande e manifesta maldade. Ficamos a saber que para o Governo socialista não há escola pública e escola privada e que há uma nova nomenclatura ? os operadores educativos estatais e ou privados com iguais responsabilidades na rentabilização máxima dos equipamentos. (...)
Não está em causa a necessidade de reestruturar a rede escolar. Mas não é este o objectivo do Governo e por isso optou por uma solução de formato único. O que está na génese deste movimento são opções meramente economicistas de encerramento de serviços públicos, inspiradas na tese de menos Estado, melhor Estado. E nesta azáfama neo-liberal vale tudo. É o desrespeito pelas cartas educativas dos Concelhos. Pelos planos estratégicos de desenvolvimento das regiões. Pelas estratégias de combate à desertificação que muitas autarquias estão a concretizar, diversificando os pólos de atracção do seu território. É o agravamento das assimetrias do país, sobretudo no interior. É a promoção do desenraizamento territorial e familiar das crianças.  É por isso que afirmamos que todas as decisões tomadas nesta área têm que resultar de um debate democrático que envolva as autarquias, as populações e as comunidades educativas. A técnica do quero, posso e mando pode disfarçar mas não esconde tudo.


  
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Luísa Mesquita
Deputada do Grupo Parlamentar do PCP
Luísa Mesquita
Deputada do Grupo Parlamentar do PCP

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