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Dos tempos da escola aos tempos de Luiza

Parafraseando o título de nossa coluna, podemos dizer que dentro da escola também se aprende e isso é óbvio. Porém, essa obviedade da aprendizagem escolar esconde o que aqui queremos pensar: o que se pode aprender na escola e com a escola sobre ela mesma.
Percebendo a vida que acontece, que flui no cotidiano das escolas, nos deixando envolver por seus inúmeros acontecimentos e os saberes que neles estão presentes, podemos nos aproximar dessas possibilidades de aprendizagem. Será com Luiza, sua família, suas professoras e sua aprendizagem que buscaremos saber um pouco mais sobre esses sujeitos e sobre a escola que eles fazem acontecer cotidianamente.
Luiza era uma aluna da terceira série do primeiro segmento do ensino fundamental, na rede pública da Rio de Janeiro/Brasil. Na escola em que estuda, ela faz parte de um grupo que tem aulas extras porque seu desempenho em matemática foi considerado insatisfatório pela sua professora. Seu pai, que acompanhava de perto a sua vida escolar, disse-me, numa conversa que tivemos, que também percebia haver um problema da filha com a matemática. Alertava para a necessidade dos adultos que lidavam com ela terem cuidado com o que diziam e o que faziam nessa relação, pois isso poderia fazer com que desenvolvesse ?bloqueios? que poderiam prejudicar sua vida escolar.
As professoras dela, desde o jardim de infância, nunca reclamaram sobre como ela ia na escola, mas no ano em questão, a professora fez, sim, uma certa queixa: «Mas eu observo que a aprendizagem dela é normal, só que falta mais empenho, entendeu?»
Mas o pai de Luiza tinha uma explicação para isto e disse:
«A Luiza é assim, ela gosta de brincar, ela não se interessa pelo estudo, ela só está em recuperação porque ela estuda pouco, se estudasse mais, se levasse mais a sério as tarefas, não estaria assim entendeu?
Talvez, como a minha esposa tem trauma de matemática e começou a falar: ?ah! Eu não gosto de matemática e tal?. Então já colocou na cabeça dela essa dificuldade. Eu creio que é mais assim, pode vir da minha esposa que não tem uma certa sabedoria na hora de falar. E falta mais estudo mesmo, porque a matemática, se treinar, não tem como dar errado, entendeu? E ela não tem dificuldade, não!»

Para esse pai, o tipo de incentivo que ele dava à filha, confiando nas suas possibilidades, mostrando o que era capaz de fazer, cuidando do que não ia bem, era suficiente para que ela viesse a ter um bom desempenho em matemática. Pensava que o tipo de tratamento que algumas vezes a mãe, em casa e a professora, na escola, davam a ela não contribuía para a segurança que precisava ter para enfrentar as questões com a disciplina. Esse pai participava ativamente dos processos pedagógicos daquela sala de aula, tinha seus saberes sobre eles e os valorizava. Alguns desses saberes eram sobre os sentimentos que a filha poderia desenvolver a partir das relações que tinha com os adultos e o que esses diziam sobre ela e suas aprendizagens.
Além disso, o pai falou sobre a forma como a Luiza lida com a sua vida escolar e as questões com a matemática. Contou que, em casa, ela brincava regularmente de ?escolinha? com as suas bonecas, imitava a professora e ele ficava escutando quando ela ?ensinava? o que estava estudando em ciências, por exemplo, cuja professora é a mesma de matemática. Sua percepção é de que a Luiza tem uma boa relação com a escola e com as professoras, demonstra gostar do que vive lá, comenta os assuntos das aulas, inclusive as de apoio que ela teve com quem está lembrando esta história, no ano referido. O pai afirmava que a menina não é ?estressada?, que ela se comporta de uma forma bem ?light? em relação aos estudos.
O que faz o pai é apresentar as suas preocupações e sua experiência tanto com a escola, como com o que a Luiza é, seu jeito de ser e de viver na escola e fora dela, mostrando que ela tem uma maneira própria de lidar com os diferentes tempos que vive. A sua prática não envolve apenas o tempo limite presente nas dinâmicas da sala de aula, gerado por determinadas prescrições como a duração das aulas, o início e o fim de cada uma delas e da presença das professoras, o tempo de aprender os conteúdos, de realizar as tarefas, enfim. Em sua vida na escola e fora dela experimenta, sem se partir, de forma íntegra, vários tempos que, muitas vezes, se colocam em confronto, são contraditórios e até incompatíveis.
Notar a simultaneidade dos tempos, característica da vida, contraposta à linearidade que as tarefas escolares com seus limites de início/fim e outros podem ter, além das diversas maneiras como isso pode ser vivido é algo que podemos aprender com a história de Luiza, suas professoras e seus pais na escola e fora dela.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Regina Coeli Moura de Macedo
Professora do Colégio Pedro II. Mestre pelo PROPEd/UERJ e membro do Laboratório Educação e Imagem/UERJ, no grupo de pesquisa "Redes de conhecimentos e práticas emancipatórias no cotidiano escolar".
Regina Coeli Moura de Macedo
Professora do Colégio Pedro II. Mestre pelo PROPEd/UERJ e membro do Laboratório Educação e Imagem/UERJ, no grupo de pesquisa "Redes de conhecimentos e práticas emancipatórias no cotidiano escolar".

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