É grande a tendência para invocar a autonomia pessoal ou a independência material como as razões dominantes que os jovens adoptam para explicar o abandono, como se aos jovens coubesse o ónus da decisão. (...) O abandono não é uma escolha: Como diz algures B. Charlot, os jovens colocados na situação de marginalidade social não têm escolha...
Nos últimos números de ?A Página? (Cf. Setembro/Novembro 05, designadamente) ocupámo-nos das transformações da população escolar do Ensino Secundário a partir de algumas investigações realizadas no âmbito do Projecto JOVALES (Jovens, Alunos e Ensino Secundário). A esse propósito, invocámos as figuras da experimentação e da estranheza, como designações caracterizadoras de novos públicos escolares do Secundário que, diferentemente da figura da identificação, representam uma relação problemática com a mensagem escolar que afecta, necessariamente, tanto a sua natureza como a sua possibilidade de afirmação e sentido, o que não pode deixar de ter imediatos reflexos sobre a própria identidade profissional dos professores. No que respeita à figura da estranheza de que nos ocupámos especialmente no último número, assinalando o que a distingue da experimentação, importaria ainda retomar aqui algumas dimensões de análise com vista a pôr em evidência o que está em causa nesta relação de estranheza com a escola, que alguns investigadores designam por relação absurda. Como diz Sofia Silva, que tem feito observações sistemáticas dos universos juvenis no interior da escola, ?estes jovens já não vivem em tensão com a escola, não fazem escolhas, porque já desistiram de dar sentido à sua existência na Escola. (...) A escola pretende incluir na sua ordem aquilo que lhe é estranho, aquilo que corresponde ao diferente. Neste esforço de inclusão, que quase parece ser um esforço de anulação da diferença, a escola evita o questionamento de si, evita a pergunta sobre ela própria como lugar de tensões?. Este é o caso limite da dissensão entre ?o jovem e o aluno?, a expressão da relação impossível entre a realização de si, herdada dos contextos de vida significativos, e a realização escolar que exige rupturas e projecto, ou seja, adesão a um novo sistema de valores, de significados e de práticas sociais que, todavia, não têm suporte ao nível das condições de existência quotidiana. O abandono escolar ou saída antecipada é a resposta dos jovens a esta situação. Os números são assustadores, sobretudo quando confrontados com o que se passa na Europa (dos15): 45% quando se trata do universo de HM (ou 52 para H e 38 para M) para uma média europeia de 19 % no que diz respeito ao que se designa por saída antecipada entre os 18 e os 24 anos sem conclusão do 3º ciclo. É grande a tendência para invocar a autonomia pessoal ou a independência material como as razões dominantes que os jovens adoptam para explicar o abandono, como se aos jovens coubesse o ónus da decisão. Todavia, o que, verdadeiramente, está em causa é uma radical impotência de os jovens se fazerem entender ou até de se fazerem amar pela escola. O abandono não é uma escolha: Como diz algures B . Charlot, os jovens colocados na situação de marginalidade social não têm escolha... E aqui entra uma segunda dimensão analítica de importância decisiva no que respeita à compreensão do processo de escolarização da juventude sobre a regulação social e no que respeita à inteligibilidade do papel da escola na legitimação e justificação das acções e das relações sociais. Referimo-nos ao princípio da responsabilização e da autonomia do aluno que é hoje estruturante do discurso educativo: na verdade, á medida que se alarga a universalização do processo escolar relativamente à população visada, aumenta a tendência para tornar a escola tanto a instância responsável pela reabilitação e redenção de todos os desvios sociais e potenciação de todos os bens materiais e simbólicos, como a instancia apta a instituir cada aluno no único ser responsável pelo seu próprio projecto de realização. Esta nova missão da escola, que vem superando as missões tradicionais de transmissão de bens culturais, de integração social e de garantia de igualdade de oportunidades e justiça social, é particularmente actuante ao nível do ensino secundário e de uma forma tanto mais eficaz quanto joga com a não obrigatoriedade (por enquanto) deste sector de ensino. É particularmente significativo este passo duma entrevista de uma aluna ?...não me esqueço da primeira frase que a minha directora de turma a disse no primeiro dia de aulas. A gente não se conhecia de lado nenhum e ela virou-se para nós e disse ?Só vem para o 10º quem quer!?. E eu nunca mais me esqueci dessa frase...? ?A gente não se conhecia de lado nenhum? ? diz a aluna. Há melhor forma de enunciar o princípio da estranheza?
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