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Um dia

Um dia igual a tantos infindos dias, mais infindos ainda para quem nunca os contou. Raios cortaram os céus, trovejava. Estavam com medo. Choveu, a erva molhada era fria, cheirava a desconforto, a ameaça. De súbito, um dos Urquebonços agigantou-se, olhou os que estavam perto, soltou um som. Era um ?Rrrrrrrrrrrrrrruuuuunhhhhhhhhhhh!?. Os outros Urquebonços quedaram-se bestas e mexeram-se; seguiram o emissor daquele arqui-fonema, ele desatou a correr campos dentro, roncando sempre, todos o seguiram até que ele entrou numa gruta. Nunca soubemos se teve nome, nem isso interessa. Todos se esquecerão do nosso nome, aqueles que não se esquecerem será também apenas o nosso nome o que terão conhecido de nós. Passamos rápido. Vivemos em casas feitas de tijolos, tomamos banho, somos desiguais perante a vida, tratamo-nos mal; regemo-nos pela norma esquecida desse distante Urquebonço. Foi ele, quando soltou o ronco primordial, quem criou algo pelo menos parecido com aquilo a que chamamos o ?Poder?. É necessária uma qualquer ordem para que trabalhemos. Pode ser a ordem da mera obediência, do seguir às cegas em frente, não se sabe para onde, apenas porque o Urquebonço chefe vai à frente, aos roncos? Tantas vezes sem saber para onde, não é? Foi a lógica do Nazismo, do Estalinismo, é ainda a lógica da maioria das obediências. O Nazismo valorizava a teoria da hereditariedade, porque queria provar que a superioridade está na herança genética; o Estalinismo recusou a importância da hereditariedade, porque pretendia afirmar a importância do adquirido, do meio social, cultural e político. Hitler parece um Urquebonço, nas imagens que dele nos chegam quando incluem som. São imagens sinistras: vamos para ali todos porque eu vou, parece dizer (gritar) ele. Estaline já tinha aprimorado o modo. Aplaudia-se quando todos o aplaudiam, fazia coro como se tivesse vergonha da idolatria que à sua volta orbitava. Controlava pelos actos e pelo pavor. Tiveram muitos antecessores e sucessores menores. Mao, Pol Pot, Pinochet, Salazar, Franco, foram muito menores na dimensão respectiva, quando comparados ao modelo inspirador. Mas não precisavam de ser maiores. Hoje o que há para discutir é pouco. Queremos destruir milhões de anos de penosa evolução, de avanços e recuos, caindo na Globalização do trabalho escravo da ?República Popular da China?? Sim? Não? É esse o tema. Cá pelo recanto esse tema não se coloca. Há uma unanimidade. Teremos então a rota firme, o leme entregue a qualquer dos descendentes do criador do Poder.


  
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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