COMÉRCIO JUSTO & DESENVOLVIMENTO
Analiticamente, ter em conta a relação comércio justo & desenvolvimento, implica em pugnar por uma posição que não se limite a reproduzir os ?discursos aparentes?, que, de modo bourdierniano, podemos dizer, são especialistas em propagar categorias de pensamento impensadas que delimitam o pensável e predeterminam o pensado.
Não são poucos, ?todos? já conhecem, os fenómenos que, no actual contexto de reconfiguração das relações de regulação, têm produzido um conjunto de mudanças no âmbito da economia, da política e da cultura. Se é certo, digamos assim, que muitas das novas modalidades de acção social que emergem são decorrências - em sentido estrito - do ?impulso? do referido contexto, de outra parte, não estaremos em erro se admitirmos que também existem modalidades de acção social que resultam do próprio agir consciente dos sujeitos (individuais e colectivos) ? e desta forma, importa realçar que há uma repolitização da sociedade, focada mais nas questões micros e menos nas macros. Mas, aqui, chegamos, na prática, às portas de um quadro dilemático, verificando-se, por outro lado, um emaranhado de ambiguidades conceptuais que debilitam o dito agir consciente dos sujeitos. Tal é o que se passa com a relação comércio justo & desenvolvimento. Entendamo-nos. Embora, em princípio, se deva reconhecer a pertinência do ideário do comércio justo, do ponto de vista analítico, até mesmo por conta desta pertinência, cabe começar pondo em discussão as suas potencialidade e os seus limites. Ao fim e ao cabo, o comércio justo parece padecer das próprias incongruências de determinadas versões da economia solidária. Imaginar que ?iniciativas restritas?, fechadas sobre si próprias e desprovidas de compreensão/intervenção política, podem ser generalizadas no sentido de formatar uma nova sociabilidade económica, é, a um só tempo, um crasso equívoco analítico e um enorme despropósito para efeitos da acção dos sujeitos. Está certo, portanto, João Bernardo, quando aponta os embustes em torno de experiências desta natureza. Quer dizer, é caquexia supor que iniciativas circunscritas podem, por si só, superar a lógica que estrutura, por exemplo, a actuação das transnacionais, principalmente quando não se põe em causa as relações sociais de trabalho. A este respeito, a cooperativa espanhola Mondragon é, decerto, um exemplo paradigmático. Tendo em conta os objectivos do movimento internacional em torno do comércio justo, como o respeito à identidade dos pequenos produtores, a estabilidade económica dos trabalhadores, a redução das desigualdades nos países periféricos e semi-periféricos e a equidade nas relações Norte-Sul, o sentimento que emerge, desde logo, é o de duvidar da possibilidade de se alcançar tais metas numa realidade, como a actual, em que a sua arquitectura político-económica representa uma negação prática de reivindicações como estas. Com efeito, as referências, no referido quadro, à noção de desenvolvimento são marcadas por uma extrema ambiguidade conceptual. Por exemplo, ora ele é entendido como mero crescimento económico; ora é concebido de um modo que, desconsiderando as suas condicionantes, não tem tradução empírica; ora ainda ? onde parece que se encontram as indicações mais frutíferas ? é apresentado na trilha da racionalidade substantiva, como algo, seguindo a compreensão de Amartya Sen, que envolve todas as esferas da vida. Em suma, analiticamente, ter em conta a relação comércio justo & desenvolvimento, implica em pugnar por uma posição que não se limite a reproduzir os ?discursos aparentes?, que, de modo bourdierniano, podemos dizer, são especialistas em propagar categorias de pensamento impensadas que delimitam o pensável e predeterminam o pensado.
|