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Nas cidades, "até onde o homem aguenta"

Haverá cidades que não sejam "selvas" de betão? Esta interrogação foi feita, há dias, em plena pré campanha eleitoral para as autarquias, por um candidato à presidência de uma Junta de Freguesia, preocupado com o êxodo, dos campos para as cidades, dos que pertencem aos exércitos que estão a formar-se com as sobras da mecanização da Agricultura e com desempregados de outras proveniências.
Preocupado com a desumanização das cidades, o candidato, cedeu mais de metade do discurso a um poema da brasileira Fernanda Abreu, onde esta ?cantautora? fala, precisamente de cidades que ?mudam de cara, de forma, de jeito, de fisionomia// (?) guardando ou não traços dos seus antepassados, da sua memória, da sua história.
Entusiasmado, deixou que fosse a poesia de Fernanda Abreu a falar por ele, na hora do discurso político.
?(?) Falo da natureza urbana-humana.// Um corpo urbano. Vivo. Um corpo cidade. Dissecado. Retalhado. Partido. // De pedra e osso, carne e aço, semente e bagaço. // Suas vias, seus canais, seus órgãos vitais. // Seus músculos, seus nódulos, seus desejos banais. // Seu sistema circulatório. Seu sangue coagulado. Seu trânsito engarrafado. // Seu tecido urbano, sua pele de concreto armado. // Falo do sentimento de cidade humana, corpo urbano, tatuado, planejado, monitorado, viciado, // aerofotogrametrado, radiografado, encurralado. // Bio-degradável. Bio-degradante.?
?(?) Falo da relação simbiótica, quase biológica entre indivíduo e cidade. // Da natureza humana-urbana actual. // Da sensação-sentimento de estar integrado e excluído. Junto e sozinho. // Falo de solidão povoada. Falo de milhares de habitantes, de carros, de fios, de prédios, de postes, de antenas, de grades, de miséria, de beleza, de possibilidades e falta de oportunidades. // Falo de um cenário de hiperinflação humana, de acúmulo humano, de excesso urbano. De aglomeração, de multidão, de solidão, de televisão, de muita informação e sala vazia. (?) Falo do alto de um prédio, do meio da fila. // Do elevador, daquela esquina. // De dentro do carro. Do meio da rua. De dentro de um bar. // Falo de fora do que é aceito. De dentro do contexto. // Falo de sentimentos alheios. De amores desfeitos. (?) E de cidades miscigenadas, inventadas, copiadas, carentes, doentes (?) Até onde a vista alcança. (?)Até onde o homem aguenta...?
Quando, subitamente, se deu conta que a poesia parece não o levar à presidência desta junta e teve a tentação de desistir. O que só não fez em nome da Poesia.


  
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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