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Em Educação é preciso números!

O Portugal das educações [IV]

O debate sobre os ?rankings? aparece em Portugal dentro de uma procura de cultura de eficiência e avaliação para com a administração pública, que é em grande parte de inspiração neo-liberal. Mas, ficarmos apenas por esta denúncia é fazer muito pouco e ser cúmplice  de algum conservadorismo.

Em anterior artigo, exprimi a ideia de que as políticas educativas para o ensino básico dos últimos 20 anos, baseadas numa estratégia de autonomia escolar local, falharam. Acrescento que a responsabilidade desse falhanço deve ser reconhecido pela esquerda. No entanto a esquerda tem mostrado estar longe de querer fazer um exame lúcido sobre o modo como se posiciona nos debates sobre a Educação em Portugal .
O que se tem escrito sobre os chamados ?rankings? é bem ilustrativo das concepções que são defendidas pela esquerda (de inspiração humanístico-cristã ou igualitário-populista) em que se considera que a educação por essência é um bem exclusivamente qualitativo, que apenas pode ser gerado localmente por pessoas e com pessoas. (Lembram-se da frase propagandística do guterrismo sobre a governação com as pessoas e não com números? Veja-se a este propósito as observações de José Gil, em Portugal, hoje, sobre o inconsciente simbólico do humanismo cristão em Portugal). Esta é uma concepção reducionista, que é dominante nas Ciências da Educação em Portugal, e  que se manifesta avessa a aceitar alguns méritos da tradição racionalista e científica das Ciências Sociais, tal qual existem em Portugal.
Em resposta a esta visão, desenvolveu-se na comunicação social uma perspectiva sobre o real educativo,  de inspiração neo-liberal, que se deixa ?embevecer? pela ideia abstracta de  mercado dos anos 80 e se deixa deslumbrar com os ?números?, como se estes tivessem um sentido em si próprios.
O debate sobre os ?rankings? aparece em Portugal dentro de uma procura de cultura de eficiência e avaliação para com a administração pública, que é em grande parte de inspiração neo-liberal. Mas, ficarmos apenas por esta denúncia é fazer muito pouco e ser cúmplice  de algum conservadorismo. Os ?rankings? são apenas um dos indicadores de ?out-put? do sistema escolar  que estão longe de, por si só, servir para algo que não seja apenas descrever um pormenor muito restrito do real. Pormenor esse  que pode ter diferentes interpretações conforme os outros indicadores que se lhe associarem. Deste ponto de vista, importa ir mais longe e saber quais os indicadores que se deveriam encontrar disponíveis, para a opinião pública, sobre o funcionamento e ?out-put?  de todo o sistema escolar, para que políticos, especialistas e cidadãos pudessem fazer uma discussão transparente e fundamentada sobre a Escola que querem e quais os seus custos. Repare-se que no debate público sobre a Economia ninguém discute o desenvolvimento económico do país só com base no indicador ?crescimento do produto? (ainda que este seja muito importante), nem com base só em indicadores de confiança dos gestores (ainda que estes sejam muito ligados às pessoas).
Uma das mais graves limitações das discussões públicas sobre a educação escolar é o de haver um enorme défice de informação sobre o que acontece e sobre o que se faz nas escolas todos os dias. Os indicadores que existem sobre a escolaridade em Portugal são extremamente pobres, grosseiros e tecnicamente mal trabalhados. Na falta dessa informação, o debate público ou não existe ou é monopolizado por comentadores (que nada sabem, nem querem saber, de educação) que falam com base em ?achismos?  (?Eu acho que??) que têm origem no seu subjectivismo de pais, de avós, de ex-alunos, de  ?amigos?  das escolas privadas, etc. Aliás entendo que qualquer governo não deve abdicar de, com base nos ?números?, dar o seu diagnóstico da situação e fundamentar intervenções públicas que julgue necessárias..
Para a  esquerda não pode haver dúvidas de que qualquer medida quantitativa sobre qualquer aspecto do funcionamento ou dos ?out-put?  de um qualquer  sistema institucional (incluindo a Escola) é necessário a todo o debate político informado e esclarecido sobre qualquer área de actividade social.  E que fique claro também, os indicadores de funcionamento do sistema escolar não são apenas  meios instrumentais de avaliação da qualidade da educação, porque esta não é absolutamente consensual. Para o debate público sobre as ?qualidades da educação? todas as medidas quantitativas  são úteis, pois todas elas dependem do contexto de sentido em que são manipuladas para se falar daquilo que se quer para a Escola Pública, como fins possíveis alternativos.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 147
Ano 14, Julho 2005

Autoria:

Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real
Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real

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