Página  >  Edições  >  N.º 144  >  Peter Watkins: "Ousar Filmar a Pintura"

Peter Watkins: "Ousar Filmar a Pintura"

Para a Teresa Monteiro, of course

 Em Fevereiro, o filme ?Edvard Munch, a dança da vida? (1974), de Peter Watkins,  foi reposto em França , saiu em DVD e os ?Cahiers du Cinema? dedicaram-lhe um dossier .
Munch, autor do célebre quadro ?O Grito?, teve uma vida obstinadamente dedicada à pintura. Vida de sofrimento e de solidão, entre Christiana ( hoje Oslo), Berlim e Paris. Vida amargurada por um desgosto amoroso, e, no seu tempo, por uma ausência total de reconhecimento, quer da crítica quer do público. Vida que Watkins, segundo um método híbrido, do qual ele foi pioneiro no cinema, descreve com uma grande clareza de imagens e de efeitos. (...)*
Sobre ?Munch...? diz: ?O filme surgiu no Inverno de 68 ou na Primavera de 69, quando fui convidado pela Universidade de Oslo. O museu Munch difundia ?The Bomb? numa sala cuja acústica era péssima. Descobri as obras durante a sessão. Nunca tinha ouvido falar desse pintor. Fui muito tocado por aqueles quadros. Estava acompanhado por um escritor norueguês que tinha contactos na televisão. Disse-lhe logo que tinha absolutamente de fazer um filme sobre Munch. Lembro-me de um grande quadro representando a morte da sua irmã Sofia rodeada pela família, pintado 20 anos após o sua morte, de tuberculose.  Sempre esta mistura espantosa  de passado e presente. Ao lado de um homem cujos traços não vemos, está Inge, a irmã da morta, que nos olha nos olhos. Este olhar, esta tragédia, esta ternura...Nunca vi nada do género. No dia seguinte devia tomar o avião para Estocolmo onde estava a montar ? The Gladiators?. Mas fiz uma irrupção nesse mesmo dia pela TV norueguesa. Disse ao responsável pelos documentários que tinha absolutamente de fazer este filme. Nessa altura o meu nome era muito conhecido por causa de ?The Bomb?. Ele não podia recusar brutalmente. Mas foram muito reticentes; em particular um especialista de Munch. Não se falava nunca da vida privada de Munch. Num certo sentido ele era um deus. mas os noruegueses pensavam que ele era completamente louco, era tudo contraditório. Isto levou 4 anos; foi um chefe de departamento da TV sueca que obteve dos noruegueses a permissão de fazer o filme. Depois de muita confusão consegui fazê-lo  em 1973.?
À pergunta se a escolha das técnicas tem uma função educativa Watkins  respondeu: ?O cinema e a educação...Tenho tido tantos problemas com os professores de cinema. Um dia falava com um sobre a guerra, o nuclear. Ao fim de algum tempo disse-me: ?Passemos ao aspecto criativo? ( Suspiro) Mas como afirmar que a política não tem nada a ver com o verdadeiro processo criativo? É tão estúpido como perigoso. Hoje, o resultado é a docilidade do público para com o audiovisual. Os ?media? são os únicos responsáveis, é também a herança do sistema educativo. Coloca-se o cinema num pedestal, considera-se o teatro uma igreja. Não há uma reflexão sobre a estandardização - a uniformidade -, sobre a maneira como ela se abate sobre o público. Em França, como em todo o lado, o cinema, mesmo através dos mais belos filmes, é cúmplice desta manipulação.?
Além do mais, o filme é distribuído por uma cooperativa, a ?Co-errances?. O acorda assenta nos seguintes princípios:
1º Recusa da confiscação do filme pelas grandes distribuidoras. Uma subscrição foi lançada junto do público para garantir esta independência.
2º Pedagógico, artístico e político. Não há exibição sem acompanhamento. Integrada numa Media Crisis Tour, baptizado não sem ironia com o título de um panfleto publicado pelas edições Homnisphères, as projecções de ?Munch...? em associação com os exploradores, ligam o espectador a uma conduta crítica. Ateliers de escrita, exposições relacionadas com as telas do pintor norueguês, organização de debates. Experiências comunitárias brevemente prolongadas pela estreia de outras obras de Watkins, em sala e em DVD. A partir de agora, as utopias de Renoir do fim dos anos 30 aqui estão. ?Munch...est à nous ?. Pelo menos para os franceses.

*(...) Por razões de espaço o artigo de Paulo Teixeira de Sousa é apenas publicado na integra na edição electrónica de ?a Página?. Na parte retirada na edição escrita, o autor revela o testemunho de Peter Watkins sobre as propostas cinematográficas deste cineasta a quem alguns denominam de ?falso documentarista?. Um texto a não perder, na edição electrónica de ?a Página?   (nota da Redacção)


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo