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"É preciso caminhar contra a corrente"

Miguel Ángel Santos Guerra, Professor Catedrático da Universidade de Málaga, colaborador de a PÁGINA, diz-nos, em entrevista, que "o papel do educador não é alinhar com aqueles que fazem a história, mas estar ao lado dos que sofrem com ela"

Miguel Ángel Santos Guerra é doutorado em Ciências da Educação, diplomado em Psicologia e em Cinematografia, professor Catedrático de Didáctica e Organização Escolar na Universidade de Málaga, Espanha, e director do grupo de investigação na área de Humanidades da Junta da Andaluzia.
Pedagogo, nacional e internacionalmente reconhecido, Santos Guerra exerceu a docência em diferentes níveis educativos, tanto universitários como não universitários. Foi director do Instituto de Ciências Educacionais da Universidade de Málaga, professor da Universidade Complutense e da Universidade Nacional de Educação à Distância. É igualmente professor visitante de numerosas universidades nacionais e estrangeiras.
Os seus trabalhos centram-se sobretudo nos campos da organização escolar, avaliação educativa, formação de professores e da questão do género na educação. Recebeu diversos prémios por trabalhos publicados na área da educação, é autor de mais de trinta livros - entre nós editados pela Editora Asa - e publicou numerosos artigos na imprensa diária e especializada. Em Abril de 2002 iniciou a sua colaboração com o nosso jornal, que mantém até hoje fazendo parte do grupo de escrita que alimenta a rubrica «educação e cidadania».
É uma experiência e uma sabedoria acumuladas ao longo de anos de prática docente que Santos Guerra partilha este mês com os leitores de A Página da Educação, numa entrevista onde se aborda alguns dos temas da actualidade educativa, sem esquecer a dimensão ética e emocional que a profissão envolve.

Diz numa das suas crónicas que "o professor trabalha com os "materiais" mais excelsos e delicados que se possa imaginar: as mentes, os sentimentos, as atitudes, os valores, as expectativas das crianças e jovens. Que outra profissão haverá tão bela e arriscada como a nossa"?
Apesar de continuar a ser uma profissão "bela" e "arriscada", o professor tem hoje um papel diferente daquele que assumia há uns anos atrás. Qual é hoje o papel do professor na sociedade contemporânea?

Os alunos são não só os ?materiais? mais excelsos e delicados, como são também os mais difíceis, porque o contacto com eles não obedece a leis. Se um arquitecto coloca os tijolos de uma determinada forma e eles caem significa que foram mal colocados - porque obedecem a leis próprias. Às pessoas não se pode aplicar essas leis. Uma determinada abordagem pode produzir hoje uma reacção e no dia seguinte não ter o mesmo efeito. Além disso, essa mesma abordagem pode ter uma determinada repercussão numa pessoa e ser contrária noutra.
Por outro lado, a prática educativa é muito complexa porque possui um carácter paradoxal. Holderlin dizia que ?os educadores formam os seus educandos como os oceanos formam os continentes: retirando-se?. Para que o continente emerja, as águas devem retroceder. O desafio consiste em dar aos alunos o seu próprio espaço, para que estes possam pensar por si próprios, procurar os seus próprios valores, acreditar neles e saber actuar autonomamente.
Não podemos esquecer, por outro lado, que existem dois tipos de alunos: os inclassificáveis e os de difícil classificação, ou seja, não há dois alunos iguais. Por isso, a profissão de educador é tão difícil como bonita, tão complexa como importante, tão problemática como decisiva, tão delicada como apaixonante.
E por essa razão torna-se necessário seleccionar os melhores cidadãos para desempenhá-la. Não faz sentido que alguns professores se possam continuar a dedicar à profissão encarando-a como uma alternativa de recurso. Daí que, na minha opinião, a formação dos professores deva constituir uma prioridade da política educativa.

Face ao rumo imprevisível que toma a sociedade dos nossos dias, deve o professor manter a neutralidade que desde sempre caracterizou a profissão?


Eu penso que essa neutralidade não existe. Ela não é possível, nem sequer desejável. A neutralidade é enganosa porque é, em si mesma, uma opção, uma afirmação social e política. É a opção do conformismo, da falta de compromisso, da comodidade.
Numa cultura neoliberal onde domina o individualismo, a competitividade, o conformismo social, o relativismo moral, a obsessão pela perfeição, é preciso caminhar contra a corrente. Numa sociedade onde existem privilegiados e desfavorecidos, o educador não pode alinhar com aqueles que fazem a história, tem de estar ao lado dos que sofrem com ela.
A educação diferencia-se da socialização através de dois factores fundamentais: o crítico (receber educação é passar de uma mentalidade ingénua para uma mentalidade crítica, como dizia Paulo Freire) e o ético (na sociedade existem valores e há que situá-los na esfera da ética, tanto intelectual como pragmaticamente).

Este ano, cerca de 130 mil professores portugueses (de um total de aproximadamente 160 mil), concorreram aos concursos nacionais. Este número revela a inexistência de um corpo docente estável nas escolas. Como encara a importância de um corpo docente estável para o sucesso educativo de uma escola?

Creio que a existência de um corpo docente estável é condição primordial para o desenvolvimento de um projecto educativo consistente e para alcançar o sucesso educativo, principalmente tendo em conta que a prática educativa é uma tarefa lenta e difícil. O êxito não se consegue de um dia para o outro. Por isso se começa a falar hoje da importância da ?aprendizagem lenta?.
Nesta perspectiva existem, pois, duas questões fundamentais.
A primeira tem um carácter diacrónico, está relacionada com a estabilidade, a permanência, a duração no tempo do quadro de professores que trabalha na escola. De que forma podem os professores comprometer-se com a concretização de projectos sabendo que no ano seguinte poderão já não estar na mesma escola? Por outro lado, como podem os recém-chegados conhecer o contexto, os alunos, os colegas e sentir como próprio um projecto iniciado por outros?
A segunda questão é de carácter sincrónico e relaciona-se com a coesão do quadro docente, com a vivência conjunta do projecto, com as estratégias de coordenação vertical, horizontal e integral das actividades da escola. Não há criança que resista a dez professores que estão em acordo, mas, evidentemente, não é possível ter uma equipa coesa se anualmente chega e parte um número significativo de professores. Claro que esta questão conduz-nos aos critérios de configuração dos quadros de pessoal, e, nesse aspecto, creio que o interesse dos professores não deva ser o único critério de mobilidade. Pode pensar-se na formação de quadros docentes em função dos projectos.

Como é a situação em Espanha relativamente à colocação de professores?

Em Espanha também vivemos este problema. Embora a percentagem de professores que participam nos concursos nacionais de colocação seja menor do que em Portugal, a instabilidade do corpo docente é uma realidade preocupante. O ensino privado tem, neste sentido, uma importante vantagem sobre o ensino público.

A função do professor é ajudar os alunos a serem aprendizes autónomos

Apesar de trabalhar com alunos provenientes de realidades sociais e culturais muito distintas, a actividade do professor está, na sua essência, direccionada para a docência e para a avaliação de resultados. Não faltará ao professor uma faceta de investigador da realidade social que o circunda, de forma a trabalhar mais próximo da sua "matéria prima"?   

A escola não se pode enfiar numa redoma de cristal e ficar isolada das influências e dos condicionantes externos. Enquanto instituição, a escola deve conseguir dar resposta à diversidade dos seus alunos. Uma diversidade infinita que procede das capacidades, dos interesses, das culturas, das raças, das línguas, das expectativas, dos conflitos?
Uma vez afirmei que a escola é ?o leito de Procusto?. Passo a explicar: segundo a mitologia grega, Procusto foi um bandido que viveu em Ática e que construiu em sua casa um leito em ferro para o qual atraía os viajantes. Uma vez instalados, se o corpo não se adaptava ao tamanho da cama ele cortava partes dele ou esticava-o de forma a que ele coubesse à medida. Ou seja, em lugar de acomodar o leito ao tamanho das pessoas, Procusto ajustava as pessoas ao tamanho do leito.
A escola submete ao mesmo currículo, nos mesmos tempos, em lugares idênticos e da mesma forma uma grande diversidade de alunos provenientes de meios culturais muito distintos. Será a escola o leito de Procusto? É preciso que a escola tenha flexibilidade de resposta para alunos com necessidades educativas específicas. A escola é uma instituição extremamente rígida, e a rigidez é o cancro das organizações. É preciso encarar a diversidade não como um estigma, antes como uma oportunidade.
Concordo com a sugestão que o educador deva ser um investigador da realidade social. É necessário conhecer o meio de proveniência do aluno, a sua família e as características do meio em que está inserido. Um currículo elaborado à margem da realidade está condenado à esterilidade. Um currículo posto em prática de forma homogénea converte os alunos ao fracasso, em especial os mais desfavorecidos. E não podemos esquecer que os alunos não só têm direito à escolarização como ao sucesso educativo.

A escola e os professores são hoje chamados a desempenhar múltiplas e variadas funções relacionadas com a educação cívica e social no interior das escolas (aliás, poderá até dizer-se que o processo de socialização adolescente e pós-adolescente está centrado na escola). Será que a escola possui a estrutura para responder adequadamente a este desafio?

A escola tem de estar preparada para responder a novas exigências, a novos desafios, a novas necessidades e a novas funções. O problema é que o ritmo de mudança na escola é habitualmente mais lento do que as transformações sociais.
Quando a informação recebida pelos alunos provinha exclusivamente da escola, era muito importante a função de transmissão do conhecimento. Mas hoje os alunos recebem muita informação por outros meios (internet, meios de comunicação social, viagens?), pelo que é imprescindível oferecer critérios que possam determinar se esse conhecimento é credível ou se está impregnado por interesses comerciais, políticos ou económicos. A função do professor é agora de outra natureza, é a de ajudar os alunos a serem aprendizes autónomos e a quererem um conhecimento rigoroso, relevante e significativo.
À escola atribuem-se hoje muitas outras funções. Diz-se que a escola tem de educar para a paz, para o consumo, para o meio ambiente, para a solidariedade, para a convivência, etc. Não há programa de televisão ou de rádio que, abordando determinado problema social, não acabe por atribuir à escola a responsabilidade de o resolver. Creio que a escola não pode fazer tudo. Um provérbio africano diz que ?é preciso todo um povo para educar uma criança?.
Mas, ainda assim, estas funções atribuídas à escola exigem outras condições para que elas possa ser cumpridas: professores bem preparados, tempos, espaços, meios e ajuda para pôr em marcha estas novas e importantes exigências, entendidas não como funções sumativas mas integradas num currículo coerente.
Uma vez delineadas as novas funções, é necessário estabelecer mecanismos de avaliação que permitam saber como se está responder a elas. Não há nada mais estúpido do que lançar-se com a maior eficácia na direcção errada.

Será de considerar a existência de um espaço comunitário extra-escolar no qual se privilegie a educação social, onde os professores ? juntamente com os pais - se possam dedicar às tarefas com ela relacionadas (em alternância com o exercício da profissão docente, por exemplo)?

Com efeito, não é apenas a escola que educa. E não se educa apenas nos tempos escolares. Penso, por exemplo, na importância da educação para o lazer, para o ócio. Muitas pessoas ficaram destruídas por não terem trabalho ou por terem tido um trabalho ingrato e mal pago. Mas muitas pessoas acabaram por ficar destruídas por terem vivido mal os seus tempos de ócio, levando-as à delinquência, à droga, ao aborrecimento, à indolência, à exploração. E quando o mundo da educação não se ocupa de uma determinada esfera, o mundo do negócio e do comércio ocupam rapidamente o seu lugar.
O sistema educativo prepara para o mundo do trabalho, mas não há qualquer instituição que desenvolva a aprendizagem para o ócio. E a aprendizagem para a vida não pode dizer respeito apenas à preparação para o mundo do trabalho. Preparar para a vida exige uma planificação mais ambiciosa, mais extensa e mais universal do que o currículo académico. Aprender a conviver exige a atenção de outras esferas sociais em que as pessoas se relacionam livremente. Pode aprender-se em todos os lugares. E nessa tarefa deve estar implicada a família e a sociedade em geral.

Para que serve, afinal, o conhecimento adquirido na escola?

A escola deve ser gerida exclusivamente por professores? Como vê a participação dos municípios e dos pais na organização e gestão das escolas?

Creio que, numa democracia, as escolas são de todos e para todos. Não são da competência exclusiva dos profissionais da educação, embora sejam estes quem, pela sua preparação, devem actuar nelas a nível profissional. Assim, a escola é da comunidade e para a comunidade. Sou da opinião que as famílias e os diversos agentes sociais participem na gestão da escola. E esta não é uma concessão magnânima por parte dos seus profissionais mas sim uma exigência e um dever democrático para a cidadania. 
A Espanha sofreu um grave retrocesso com a Lei Orgânica de Qualidade na Educação (LOCE, 2002), uma lei conservadora do Partido Popular que diminuiu as competências dos Conselhos Escolares das escolas, órgãos da máxima importância para os estabelecimentos de ensino.
Apesar de reconhecer que estes órgãos não funcionavam na perfeição, penso que a participação democrática exige tempo. Não podemos plantar uma semente e esperar que no dia seguinte ela dê frutos abundantes e maduros. É preciso regar essa árvore, cuidá-la, protegê-la das doenças? É um processo que acarreta motivação, eficácia, aprendizagem e estímulo.
A análise dos fenómenos educativos é, muitas vezes, reduzida à fase da formulação. Mas há uma segunda fase, que consiste na explicação. Porque razão não funcionavam bem os Conselhos Escolares? O tipo de resposta levar-nos-á a decisões diferentes: se digo que por serem ineficazes, a tendência será suprimi-los. Se digo que foram objecto de graves limitações, tratarei de melhorá-los e superar essas limitações.

Portugal, Espanha e Grécia são os países com os mais altos índices de insucesso e de abandono escolar da União Europeia. Portugal não tem conseguido resolver este problema e ele agrava-se cada vez mais, deixando o país na cauda da Europa nesta matéria. Que passos têm sido dados pelas autoridades educativas espanholas no sentido de inverter esta situação? Na sua opinião, que medidas deveriam ser implementadas?

Li com atenção os resultados do relatório PISA 2003. Há que ser cauteloso na sua leitura. Para haver uma comparação, num dado momento, é preciso ter em conta de onde se parte, com que meios se conta, de que escolas se trata. É um perigo querer comparar realidades incomparáveis. 
Porém, não pretendo com esta afirmação esconder a cabeça na areia ante os resultados negativos. Preocupa-me muito o insucesso educativo. E preocupa-me porque entre os que fracassam estão, não por acaso, os mais desfavorecidos da sociedade. Agora, o que realmente me interessa é saber quais as medidas que devem ser tomadas para inverter esta situação.
Referir-me-ei a cinco delas, que na minha opinião, podem ajudar: aumentar a dotação orçamental para a educação - porque a educação de qualidade é cara; distribuir e utilizar o orçamento para reduzir as desigualdades de base; melhorar a selecção e a formação dos professores; organizar as escolas de forma mais autónoma e flexível; exigir responsabilidades aos diferentes níveis, em particular da base para o topo.
Realizar um bom diagnóstico dos problemas contribuirá para a tomada de decisões mais pertinentes. Uma vez as medidas postas em marcha, é necessário revê-las periodicamente. Papagiannis lembra, a este propósito, que muitas reformas empreendidas a favor dos mais desfavorecidos acabaram por ajudar os mais favorecidos.

Concorda com a ideia de que o ensino secundário deveria ter uma vertente mais prática e pudesse servir para, independentemente do prosseguimento de estudos na universidade, preparar os jovens para o mundo do trabalho (como acontece na Alemanha, por exemplo)?

Estou de acordo com a necessidade de rever o carácter exclusivamente propedêutico das diferentes etapas ou níveis educativos. O carácter marcadamente académico do currículo é uma das causas para o abandono precoce e para o insucesso escolares.
Se o currículo tem que preparar para a vida, não podemos preparar jovens que, terminado o ensino secundário, não sabem fazer nada. Já ouvi alunos queixarem-se de terem uma qualificação excelente, mas que admitiam que se deixassem a escola naquele momento não saberiam fazer nada. O saber é importante, mas não menos importante é o saber fazer.
O conhecimento que se retira da escola pode ter um valor de aplicabilidade (muitas vezes escasso ou nulo) e um valor de troca (uma vez obtido pode ser "trocado" por uma qualificação). E muitas vezes o que importa é o seu valor de troca. Nessa medida, devemos questionar-nos sobre o valor da aplicação do conhecimento escolar: é interessante? é útil? é prático?
Ainda que não possamos esquecer que o sistema educativo tem uma função essencialmente formativa (ensinar a pensar e a conviver), e não uma exclusiva finalidade de responder às exigências do plano laboral, é necessário questionar-nos se realmente ele ensina a viver no mundo actual, o qual exige estar preparado para o mundo do trabalho.

Portugal iniciou, desde o ano 2000, a divulgação de um "ranking" de escolas no ensino secundário. Esta medida é utilizada em outros países da Europa, mas é muito contestado. Em Espanha também é divulgado um "ranking" de escolas? Se sim, que resultados se traduziram com essa publicação? Não será mais produtivo avaliar os processos do que os resultados?

Em  Espanha não se realiza, para já, a avaliação das escolas por "assessment", ou seja, a medição de resultados através de provas standartizadas com o objectivo de elaborar um ranking.
Na minha opinião, este sistema constitui uma perversão gravíssima do sistema. Uma coisa é realizar provas para diagnosticar e estudar as melhorias a introduzir no sistema e outra é estabelecer um ranking de boas e de más escolas. Na medida em que este sistema de classificação está viciado, ele acaba por ser uma armadilha.
Uma escola que escolhe os melhores alunos, recusando os que não correspondem às suas metas, e tem apoio por parte das famílias, não pode ser comparada a uma outra com alunos provenientes de estratos sociais mais baixos, que não dispõe de meios e se situa num contexto ausente de expectativas. A comparação é injusta e pouco rigorosa, fazendo com que a escola "pior" (xenófoba e elitista) apareça no ranking como a melhor escola.
De que qualidade falamos? Poderão escolas assim tão diferentes obter os mesmos resultados? Será lógico atribuir a melhor classificação obtida pelos alunos da primeira escola à boa actuação dos seus profissionais? Creio ser importante fazer a avaliação das escolas, mas uma avaliação atenta aos processos e que dê voz aos seus actores.

Nos seus artigos encara a escola sobretudo de um ponto de vista emocional em detrimento de uma perspectiva, digamos, "racional". Considera que faz falta uma dimensão ética à escola?

Há alguns anos (em 1980, para ser mais concreto) escrevi um artigo intitulado "A escola, prisão de sentimentos". Nele descrevia a necessidade de se ter em conta a dimensão emocional, tanto dos professores como dos alunos. A escola sempre foi, tradicionalmente, o reino do plano cognitivo, não do plano afectivo. Na escola perguntava-se "o que sabes?", "o que pensas?", mas quase nunca "o que sentes?"
As já não tão recentes teorias sobre inteligência emocional revelaram-nos que a emoção é um factor imprescindível na construção do saber. E que o ser humano tem uma dimensão emocional que é necessário cultivar e desenvolver. Por isso é tão importante insistir na educação dos sentimentos.
Não posso deixar de fazer referência à importante questão da discriminação do género. A sociedade, (e a escola como seu reflexo) continuam a ser profundamente androcêntricas. É necessário, por isso, estabelecer estratégias de educação dirigidas para a igualdade.
O construtivismo diz que para haver uma aprendizagem relevante tem de existir uma estrutura lógica adequada, mas diz também que deve existir uma predisposição afectiva dirigida para a aprendizagem. Só se aprende quando se quer. O verbo aprender, tal como o verbo amar, não se pode conjugar no imperativo.
A educação é, acima de tudo, comunicação. Tanto o educador como o educando têm de estar receptivos a aprender e conviver. Os alunos aprendem com os professores que amam. Têm como que um radar especializado para saber quem os quer. Esta dimensão relacional é essencial. Encher a cabeça dos alunos de informação e as mãos de destreza não é o fim último da educação.
Penso também na forma como nós, professores, vamos amadurecendo na nossa profissão. A experiência, por si só, limita-se a ser um acumular de anos. Mas há uma forma de viver essa experiência que a pode converter em sensibilidade e sabedoria. Gostaria que a forma como os professores e as professoras portugueses a exercem e a vivem diariamente servisse para torná-los mais humildes, mais sábios, mais optimistas e mais solidários.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Miguel Ángel Santos Guerra
Professor Catedrático de Didática e Organização Escolar, Universidade de Málaga
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Miguel Ángel Santos Guerra
Professor Catedrático de Didática e Organização Escolar, Universidade de Málaga
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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