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A concepção miserabilista do meio rural é um preconceito de gerações

ESCOLAS RURAIS

José Carvalho é professor do 1º ciclo no distrito de Vila Real. Fomos encontrá-lo num debate sobre Cartas Educativas, realizado em Março pelo Sindicato dos Professores do Norte, na cidade do Porto. Estivemos à conversa sobre escolas rurais.
Constituíram um agrupamento horizontal juntando as escolas do 1º ciclo e do pré-escolar localizadas no parque Natural do Alvão, em Vila Real, e nas áreas adjacentes. Foi a resposta encontrada por um conjunto de professores para a resolução dos seus problemas comuns. "Quisemos talhar um sentido para o nosso trabalho que se materializou no projecto "Alvão Vivo", uma proposta de revitalização educativa, cultural e social daquela área empobrecida e afectada pela desertificação humana", explica  José Carvalho, na altura o presidente do Conselho Executivo do agrupamento.
A experiência de funcionamento do agrupamento horizontal durou um mandato completo: um ano de instalação mais três de Conselho Executivo (1999/2004). Até surgir a proposta da concentração de todos os sectores de ensino em torno de uma única unidade de gestão, os agrupamentos verticais. E apesar do trabalho realizado ter merecido elogios da Direcção Regional de Educação do Norte, as escolas foram reagrupadas segundo a nova organização. Algo que apenas encontra oposição por parte de José Carvalho pelo facto de o modelo  "não corresponder aos interesses pedagógicos e sociais das comunidades escolar e residente".
Para José Carvalho, actualmente a leccionar  na Escola Básica de 1º ciclo de Vilarinho,  em Mondim de Basto, distrito de Vila Real, a nova junção teve outra consequência  grave: "A partir do momento em que deixamos de poder canalizar os poucos recursos financeiros que tínhamos para as nossas actividades, ficamos sem elas porque esta nova estrutura muito mais alargada acabou por não conseguir dar continuidade ao nosso trabalho". 
A questão até agora tem sido incontornável. Ainda que sob a mesma estrutura organizativa "os recursos financeiros e materiais são muito mais canalizados para o 2º, 3º ciclo e ensino secundário do que para a educação de base como seria necessário", constata José Carvalho.
Recuperar o "atraso" resultante do "desinvestimento" quer no pré-escolar quer no 1º ciclo  "não implica que se tenha de começar de novo". A ideia de que a solução para a falta de recursos possa passar pelo encerramento de escolas é rejeitada por José Carvalho. Pelo contrário, a manutenção das escolas rurais, ainda que com menos de 10 alunos, "faz muito sentido se estas forem dirigidas a toda uma comunidade e não exclusivamente à escolar." 

Discriminação positiva

Conhecedor dos problemas que afectam as populações do interior do país pela sua experiência como habitante, e não só somo professor, do meio rural, José Carvalho fala na existência de "um preconceito em relação a uma ideia de miséria do meio rural veiculada durante gerações " que poderá estar na base da política de encerramento destas escolas. "Há uma noção falsa de que o mundo rural está em extinção", nota José Carvalho "mas ele pode ser revitalizado", acrescenta.
O professor terá um papel a desempenhar nessa revitalização? "Procurar dar resposta aos problemas dos habitantes locais passa a ser uma função do professor que se desloca para dar aulas nas zonas rurais porque ele passa a ser mais um habitante desse meio", defende José Carvalho. 
Nessa perspectiva, uma vez inserido no meio, o professor está em melhor posição para decidir relativamente às necessidades da comunidade educativa. Pelo contrário, "as propostas do Ministério da Educação e das Direcções Regionais de Educação são demasiado gerais  e aplicadas de Norte a Sul, do litoral ao interior, sem ter em conta as características e os problemas das diferentes regiões", critica José Carvalho.
E é precisamente nessa "discriminação positiva que poderá estar a única via de sustentabilidade da escola e do mundo rural", avisa este professor. Ao serviço da comunidade há um conjunto de informações que a escola pode veicular à população: estabelecer um contacto com um organismo ou disponibilizar o fax ou o email para marcar uma consulta. "São formas de contribuir para o bem-estar das populações", esclarece.
Por tudo isso, José Carvalho adverte: "Se enquadrarmos a escola rural num contexto mais alargado ela deixa de ser o estabelecimento de ensino em vias de encerramento, e passa a ser uma extensão de um determinado núcleo de trabalho que não deixa morrer a sua própria localidade".


  
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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