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Milagres precisam-se!

Argumenta-se que se gasta muito em Educação em Portugal (?) Este é um discurso que não se pretende mágico, mas que é tecnicamente pobre. Senão vejamos: (1) onde é que está provado que não podemos gastar mais do que a média europeia?  (2) as medidas da  ?produtividade? da educação? são óbvias e consensuais?  (3) há quantos anos se está supostamente a gastar demais?

Existe uma forma simplista e mágica de pensar o desenvolvimento de Portugal. A de se achar  que o futuro depende, no fundamental, da Educação e que para isso basta qualquer novo governo anunciar o seu voluntarismo nesta área de actividade social. Este voluntarismo tem-se traduzido nos últimos 20 anos, demasiadas vezes, na seguinte equivalência: novo governo, nova reforma curricular.
Felizmente, já se começa a verificar alguma auto-limitação sobre o que se pode esperar e é possível as escolas fazerem pelo país. Assim, o novo governo revela-se bem mais modesto que os anteriores considerando que a sua ?paixão pela educação? se pode traduzir no ensino de uma língua estrangeira no 1º ciclo do ensino básico, num ensino das ciências mais experimental e numa maior  expansão do ensino profissional no secundário. Ambas as novas opções se apresentam ?como realistas? e parecem querer colocar em segundo plano o problema das aprendizagens que os alunos do ensino básico possuem para poderem progredir  para o secundário e para o superior.
Alguns velhos ?voluntaristas?, quando falam da sociedade do conhecimento,  ainda vão lembrando o excesso de insucesso e o abandono escolares no ensino básico em Portugal. Mas a ilusão de que estes problemas se iriam ultrapassar ?naturalmente?  começam a perder adeptos. Entretanto outras ideias mágicas sobre a educação básica aparecem, inspirando-se  na ?grande qualidade? da educação do 24 de Abril: mais exames e mais reprovações, logo mais motivação para estudar.
Todos, mais ou menos voluntaristas,, mais ou menos realistas, choram pela Educação! Todos esperam o milagre da multiplicação das aprendizagens. Pela minha parte direi que não tenho fé e por isso não espero milagres na educação básica em Portugal.
Entretanto um novo discurso aparece. Argumenta-se que se gasta muito em Educação em Portugal (comparativamente com a média europeia) e que a sua ?produtividade? é baixa. Este é um discurso que não se pretende mágico, mas que é tecnicamente pobre. Senão vejamos: (1) onde é que está provado que não podemos gastar mais do que a média europeia?  (2) as medidas da  ?produtividade? da educação? são óbvias e consensuais?  (3) há quantos anos se está supostamente a gastar demais?
É bom que quando se compara Portugal com a média europeia se compreenda que esta média  é constituída por países que investem continuada e sistematicamente há décadas em Educação. E por isso têm uma ?infra-estrutura? educativa que neste fase de diminuição da taxa de natalidade, permite o luxo de diminuir ?despesas?. É por esta razão que taxas de escolaridade desses países estão acima da média europeia e por isso não é de esperar que, por milagre, só em dez anos, o dinheiro que já se gasta em Portugal de repente comece a mostrar ?produtividade?.
Procurando esquecer as vozes milagreiras, importará que este governo, ou qualquer outro, nos esclareça sobre qual é o diagnóstico que faz da política para o ensino básico que temos seguido desde a segunda metade dos anos 80. Os diagnósticos que se têm produzido sobre os seus efeitos no sistema de ensino são muito variáveis e altamente polémicos. Os recentes problemas na colocação de professores nas escolas trouxeram  para a comunicação social um ?mar de novas lamentações? sobre a ineficiência do Estado (e já agora, das empresas privadas que trabalham para o Estado!) e permitiram dar voz a todos aqueles que entendem que tudo o que é estatal e centralizado no sistema de ensino é um ?inimigo a abater?. Mas ao mesmo tempo os que defendem a descentralização da colocação de professores, que gritam contra o corporativismo docente e que advogam a entrega da educação básica aos municípios, são os primeiros a reconhecer que na maioria das autarquias locais existe demasiada corrupção, clientelismo político e falta de recursos técnicos adequados às suas missões.
Afinal querem substituir o corporativismo docente vigente pelo clientelismo político local? É esta a única alternativa que os nossos ?comentadores educativos? nos deixam em aberto? A imaginação destes comentadores não consegue ir mais longe? E já agora, e a imaginação do novo governo, o que tem para nos dizer sobre este assunto?

Nota:
O PORTUGAL das educações: é uma nova rubrica de a PÁGINA. Com este artigo abre-se este espaço onde o autor, Telmo Caria, regressará nos próximos meses. Pensar a educação em Portugal é o seu ponto de partida.


  
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real
Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real

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