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Por que é que Montse Resiste à Escola? A marginalidade social subjectivamente questionada

Montse tem 15 anos. Representa claramente aquilo que no jargão educativo académico chamamos insucesso escolar, e aquilo que no jargão dos serviços sociais denominamos ?jovem em situação de risco social?. O quadro é completo em todos os seus ingredientes: família desestruturada, consumo de droga, comportamentos violentos, nenhum respeito pela autoridade... Sabemos que perante ?quadros? deste tipo a resposta institucional recorre ao psicólogo, ao assistente social, a todas as formas de adaptação educativa, a tudo aquilo que possa potenciar a atenção aos marginais ou marginalizados. Mas Montse não se considera em absoluto una pessoa marginalizada ou marginal. Sente-se autónoma, livre, com perfeito controlo sobre a sua vida e sobre o que a rodeia. As suas atitudes transgridem não só o institucional, mas também as respostas tipificadas que a nossa sociedade oferece em casos de pessoas nessa situação. Transgride desde a recusa a qualquer aproximação que pretenda identificá-la como ser desvalido, necessitado, um tipo de respostas que se baseia no objectivo, e não no subjectivo. São respostas que fracassam porque só contemplam a marginalização ?objectiva? de Montse, e a trata como um ser marginal.
A rebeldia de Montse não é o produto de ?celebração? do trabalho manual, como faziam os rapazes de Willis, nem é o resultado de uma alienação feminina que a leve a esperar um ?príncipe encantado? que a salve da escola para lhe proporcionar uma vida digna de um filme, como sucedia no caso das raparigas estudadas por Angela McRobbie. A rebeldia de Montse surge e aparece a partir da forma como construiu os seus espaços de ócio, as suas relações sociais nesse espaço e a centralidade que lhe atribui como espaço central na construção da identidade. O ócio constituiu para Montse uma fonte inesgotável de recursos cujo uso e combinação lhe possibilitam vias alternativas de experimentação e lhe permitem escapar a todos os limites de materialização dos seus desejos mais enraizados. Montse dispõe de uma estrutura e morfologia de redes sociais de intercâmbio e consumo que são centrais na visão de si mesma.
E na construção desse espaço um componente central é a própria rebeldia, a própria resistência ao sistema. Não a partir de uma capacidade centrada no político, centrada na sua consciência de ser maltratada pela sociedade adulta. É uma rebeldia desprovida de ideologia, vazia de referentes que escapem ao puramente estético. Montse frequenta grupos de iguais de tipo fascista e ao mesmo tempo tem amigos okupas que militam no movimento anti-globalização. O único nexo que há entre eles é que se opõem a formas institucionalizadas e pretendem subverter o sistema. Sente por eles uma atracção estética, não política, e nessa atracção constrói a base das suas múltiplas oposições e rebeldias.

- Tens amigos skins?
Os de antes, sim. Os actuais não, os de agora são mais de outro lado? são? não gostam dos fascistas , vamos lá...
Pois, pois, antes tinhas amigos fascistas?
Sim? bom? e continuo a ter, mas ? é que eu dou-me com toda a gente.
Sim. Mas como é que te sentes? Sentes-te mais próxima deles, em termos de ideias?
- Não, é que eu? para mim não me importa o que as pessoas pensam. Eu sou eu, eu penso o que penso e as pessoas são-me indiferentes.
- Mas tens amigos, por exemplo, amigos marroquinos, ou não?
- Sim, muitos, muitos. Gosto muito deles.
- ? Não tens nenhum problema com eles?
- Nada...

Do mesmo modo, a rebeldia de Montse coexiste perfeitamente com a sublimação através das compras oferecidas pelo teenage market (?não me verás nunca com nada do mercado em segunda mão?, diz-nos) e com o interesse pelos filmes românticos do mais puro estilo de Hollywood. As suas rebeldias não têm em absoluto que ver com formas de oposição ao capitalismo ou ao patriarcado.
Trata-se de uma rebeldia que tem como referente o estético e a forma de vida a seguir. É essa a base que lhe permite considerar a cultura escolar oficial como um espaço que só tem sentido como realidade desacreditada a provocar. A partir da assunção de que se trata de uma instituição que nada traz para as suas apostas vitais, Montse não opta pela passividade e pela indiferença, mas, antes, por utilizar a escola como um espaço codificado e institucionalizado onde pode materializar os seus desejos de oposição. É por isso que insulta, que provoca, que é frequentemente expulsa da escola. A oposição a qualquer conjunto normativo ou intento de disciplina é de facto um elemento central para reafirmar a sua experimentação no ócio e a sua identificação com uma cultura juvenil centrada na transgressão. Para Montse a transgressão não é um preço a pagar para poder viver plenamente a cultura juvenil. A transgressão é uma forma de prazer.
O prazer de transgredir, e a própria transgressão das formas de prazer, unem-se para dar plena coerência a uma experimentação que os códigos institucionais só conseguem classificar como contraditória e problemática. E é nesta distância onde mais se evidencia a diferença entre um diagnóstico externo que convida a pensar em Montse como uma adolescente imersa na exclusão social, próxima do mundo da droga e com atitudes auto-destrutivas que lhe anulam qualquer futuro, e uma vivência pessoal da adolescência como momento de libertação, de carpe diem, de experimentação em todos os terrenos da cultura juvenil: uma leitura que se afasta de qualquer consideração de marginalidade. Montse não se vê a si mesma como uma jovem marginal ou marginalizada: os marginalizados, para ela, são aqueles que vivem enganados pela aceitação acrítica de instituições que prometem e muito poucas vezes cumprem as suas promessas.
O que é que falta à escola e a outras instituições sociais para entender que as leituras de Montse são internamente lúcidas? Não serão casos como os de Montse um convite para rever os nossos estereótipos sobre a cultura juvenil e os instrumentos tipificados de atenção àqueles jovens que classificamos com a etiqueta de ?risco?? Será possível, a partir de leituras adultocêntricas da realidade, compreender a complexidade das opções de vida de Montse? As perguntas são muitas e as respostas, infelizmente, muito escassas.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Xavier Bonal
Universidade Autónoma de Barcelona
Xavier Bonal
Universidade Autónoma de Barcelona

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