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A integração como direito e prática intercultural

Durante uma boa parte da nossa história fomos especialmente sensíveis à forma como os nossos compatriotas ? no Brasil, na África e na Europa ? iam sendo acolhidos. Ganhamos igualmente a fama de sermos hospitaleiros e solidários. Mas, quando nos confrontamos com a necessidade de partilhar os nossos espaços sociais e institucionais, chegou de facto a hora de verificarmos se realmente o somos?

Portugal tem recebido nos últimos anos um apreciável número de estrangeiros que nos procuram em busca de trabalho e de melhores condições de vida. Sabemos também que essa nova população é de uma forma geral bem vinda porque, com ela, vem muita gente qualificada que, para além de contribuir para o desenvolvimento do país, ajuda a compensar a nossa preocupante quebra de natalidade.
Portugal deixou de ser assim somente um país de emigração.
Com efeito, durante uma boa parte da nossa história fomos especialmente sensíveis à forma como os nossos compatriotas ? no Brasil, na África e na Europa ? iam sendo acolhidos. Ganhamos igualmente a fama de sermos hospitaleiros e solidários. Mas, quando nos confrontamos com a necessidade de partilhar os nossos espaços sociais e institucionais, chegou de facto a hora de verificarmos se realmente o somos?
Vem tudo isto a propósito da presença nas nossas escolas de crianças e jovens de famílias imigradas ? a até de famílias portuguesas que, entretanto, regressaram da diáspora.
Como é tradicional entre nós domina aqui o voluntarismo e a improvisação. Voluntarismo ? e até abnegação ? de muitos professores; improvisação das instâncias de poder directamente responsáveis. Tudo isto nada teria de muito grave se não estivessem em causa, de imediato, projectos de vida e, a prazo, eventualmente, alguns dos elos da nossa coesão social.
Esta coesão tem sido mantida., como sabemos, através de uma forte homogeneidade cultural, a qual, para além da sua natural evolução histórica, não teve de fazer grandes concessões aos respectivos padrões de identidade tradicionais. Enquanto a abertura não é condição dessa mesma identidade, é possível, no fundo sem problemas de maior, cultivar uma tolerância morna perante as diferenças, iludindo-se e adiando-se assim os desafios e as soluções estruturais.
A interculturalidade ? nomeadamente no plano educativo - não pode ser uma mera bandeira ideológica ou que se agita distraidamente? Acresce que, de tantas vezes repetida, se tornou até uma banalidade e, por isso, uma proposta tendencialmente inconsequente. Mas a interculturalidade é, ou deveria ser, um acto de cultura. E a cultura é uma prática que envolve e implica pessoas e instituições. Como as escolas.
Como aceitar, então, que muitas das crianças de origem estrangeira que habitam Portugal possam frequentar as aulas sem terem um domínio minimamente compatível do nosso idioma. Um idioma que, precisamente por ser nosso, é também delas.
Chegadas em data recente, desinseridas socialmente e a falar nos seus lares e comunidades a língua de origem, estes alunos enfrentam o drama da incomunicabilidade. Para ultrapassar esta dificuldade, as escolas dispõem, quando muito, de uma escassa hora semanal em que grupos de alunos de proveniências diversas, com níveis linguísticos também diversos, são entregues a um professor, o qual, sem qualquer formação específica para o fim em vista, se esforça por colmatar uma lacuna que, pela sua natureza, é atentatória do respeito e da solidariedade que constituem, afinal, os fundamentos éticos da interculturalidade.
É claro que se com o tempo uns tantos destes alunos vão autonomamente superando a barreira que inapelavelmente os segrega, recalcando os traumatismos de um percurso de abandono, outros mergulham na marginalização que uma tal segregação gera: indiferença primeiro, revolta depois.
A interculturalidade é, antes de mais, um desafio e uma oportunidade. Que implica mobilização, estratégias e ponderação. Que, por isso, se ganha ou se perde. Só que aqui não se ganha ou se perde contra os outros. Ou ganhamos todos, ou perdemos todos. Ou ganhamos em crescimento e multiplicação de perspectivas, ou perdemos por um empobrecimento cultural e social que rompe laços de partilha entre pessoas e grupos.
A língua portuguesa pertence a todos os que dela precisam para comunicar. A escola deve poder proporcionar a todos esse bem. Para que a interculturalidade e, com ela, a integração constituam direitos consumados.
Em nome de uma ética política. Para que a ética profissional seja possível!


  
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Edição:

N.º 143
Ano 14, Março 2005

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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