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É preciso reconquistar o prazer de ser professor

Como é hoje a relação entre professores e alunos no interior das escolas? O que mudou ao longo dos últimos vinte anos e o que pensam eles acerca do seu papel enquanto actores sociais? Estão optimistas ou pessimistas face ao futuro da educação no país? Para responder a estas e outras perguntas, a PÁGINA entrevistou uma professora da Escola Básica 2,3 Manuel de Oliveira, na freguesia de Aldoar, no Porto.
Nilza Guimarães, docente de língua inglesa, iniciou a carreira há 28 anos e desde há 22 que trabalha neste estabelecimento de ensino, que já foi considerado de intervenção prioritária. Apesar de considerar que a escola não pode ser a resposta milagrosa para os problemas sociais que nela se reflectem, continua a acreditar que ela pode desempenhar um papel fundamental na sua resolução. Mas para isso, diz, é preciso dar mais tempo aos professores para comunicar e trocar ideias sobre educação.

Encontra diferenças na relação entre si e os seus colegas, e entre os professores em geral, desde que iniciou a carreira?

Sim, considero sobretudo que actualmente há menos oportunidades e espaços para comunicarmos. Hoje em dia somos absorvidos por inúmeras tarefas burocráticas, por muitas reuniões ? nem sempre tão produtivas quanto desejaríamos ?, que acabam por nos deixar esgotados e com pouco tempo para trocar ideias sobre educação. Além de se reflectirem indirectamente na relação entre colegas e com os alunos, tiram-nos o prazer de sermos professores.

Como é ser professor hoje em dia?

Antigamente o professor trabalhava mais em função da sua área disciplinar, dedicando-lhe mais atenção a ela e ao aluno. Hoje em dia tem de actuar a diversos níveis ? acaba também por ser assistente social, psicólogo - e desdobrar-se em inúmeras tarefas. No meu caso, por exemplo, além de ser professora, sou directora de turma, dou formação cívica, área de projecto, estudo acompanhado. Esta multiplicidade de papéis tem a vantagem de nos pôr mais em contacto com os alunos e de os conhecermos melhor, mas é compreensível que o cansaço se instale e que a criatividade se vá esbatendo.

Nota alguma diferença na atitude dos alunos face aos professores?

Penso que não se pode generalizar as atitudes e os comportamentos dos alunos face aos professores. Continuo hoje a ter alunos tão interessados, educados e intervenientes como tinha no início da carreira e também tenho casos problemáticos. A única diferença é que os casos problemáticos parecem ser cada vez de mais difícil resolução, facto que, na minha opinião, está directamente relacionado com as mudanças sociais ocorridas nas últimas duas décadas.
A escola é um microcosmos do que acontece no exterior e tudo desagua nela. E esta minha escola, que já foi de intervenção prioritária, sente muito isso. E por mais que queiram, há um espaço de intervenção em que a escola e os professores não podem actuar: as famílias. Há aqui alunos por quem nós não podemos fazer nada porque as famílias são atingidas por problemas de desestruturação muito graves, algumas próximas da marginalidade, situação que atinge cerca de quinze por cento da população escolar.

Há quem considere que antigamente os alunos respeitavam mais a figura do professor. Concorda?

Sei que muitos colegas acham que a situação piorou, mas eu não concordo. Penso é que os problemas sociais aumentaram e daí haver um maior número de alunos problemáticos. Mas o respeito que têm pelo professor é o mesmo. A gestão que cada professor faz de situações problemáticas dentro da sala de aula é que poderá ser diferente de uns para outros e isso reflecte-se na atitude dos alunos.

Concorda com o reforço de práticas sancionatórias ou repreensivas?

Acho que o fundamental seria apostar na prevenção dos maus comportamentos. A aplicação de castigos, como a suspensão ou a expulsão, raramente produzem o efeito desejado. E a prevenção passa em grande medida pela relação afectiva que o professor estabelece com o aluno. É importante que as crianças e os jovens sintam que nos preocupamos com eles, que os compreendemos, que os conhecemos e que os queremos ajudar. Para mim essa continua a ser a pedra de toque.

Sente que existe uma atitude optimista ou pessimista face ao futuro da escola?

Há pessimismo porque vemos alunos repetirem três vezes o mesmo ano com professores diferentes e a não melhorarem o seu desempenho. Isso torna-nos necessariamente pessimistas. Há alunos que chegam aqui vindos do primeiro ciclo que têm muitas dificuldades na leitura e na escrita, e isso fá-los sentirem-se mal relativamente aos colegas. O primeiro ciclo é uma fase fundamental da aprendizagem onde se deveria investir mais, tanto no sentido de preparar melhor os alunos como de atenuar a diferença que os separa dos 2º e 3º ciclos. O Estado não faz nada por estas crianças e espera que seja a escola a fazer tudo.

Concorda que nos casos onde a escola se insere num meio problemático o diálogo com as instituições e com a comunidade local deveria ser reforçado?

Sim, essa é, aliás, a tónica actual na nossa escola. Temos de pensar que estes problemas não devem ser uma preocupação exclusiva da escola, também dizem respeito à comunidade. Se um aluno que rouba na escola for posto fora dela irá passar a roubar na rua. E se a comunidade assumir o problema dos jovens também como seu talvez a situação se pudesse resolver de outro modo. Teoricamente deveria ser assim, mas tudo isto está apenas no papel e ainda não encontramos modelos para pôr em prática essa parceria.

Que meios são postos à disposição da escola para concretizar esse objectivo?

Este ano a nossa escola concorreu a um programa de âmbito nacional denominado ?Escolhas - segunda geração?, cujo principal objectivo é tentar diminuir o absentismo e a exclusão. O programa procura cativar os alunos para a escola através de actividades extra-curriculares ? na área das novas tecnologias, do desporto e das artes ? que os faça sentirem-se bem na escola e interessarem-se mais pelo ensino regular. Se a oferta da escola se limitar à área curricular torna-se muito difícil cativar os alunos mais difíceis.

Qual é o elo que falta estabelecer?

Eu considero que um aspecto de primordial importância é a relação da escola com a família. Quando os pais vêm à escola, percebem o que os professores pretendem e existe colaboração, boa parte do trabalho está conseguido. Os programas de intervenção para crianças e jovens multiplicam-se, mas na minha opinião o fundamental é trabalhar com as famílias. E nesse domínio o grande problema é a falta de preparação cultural dos pais para orientar os filhos.

A escola reproduz as desigualdades sociais?

Infelizmente sim. Há excepções, mas em geral as coisas pouco mudaram nos últimos anos.

Mas a escola não deveria servir exactamente o propósito contrário?

Na teoria sim, mas torna-se muito difícil ultrapassar a barreira que separa a cultura escolar e a cultura familiar. A maioria dos miúdos necessita de alargar horizontes e ver o mundo para além do que vivem na comunidade e do que lhes é oferecido na televisão. É importante trazer temas para discussão sobre a actualidade para a sala de aula, os alunos aderem muito a isso.

Muitos autores defendem que existe um conflito de interesses entre as expectativas face à escola e os pressupostos em que ela funciona. Concorda?

Considero que o problema é a falta de interesse com que as famílias vêem a frequência dos filhos na escola, porque não têm qualquer expectativa em relação a ela e não acham que esta lhes trará qualquer mais valia.

Mas será que, em certa medida, alunos e pais não terão alguma razão, já que a escola deixou de ser encarada como uma garantia de um emprego e de um futuro estável?

Li uma vez um artigo da autoria de António Nóvoa onde ele afirmava que a escola nunca tinha mudado a sua forma de estar, nem depois do 25 de Abril. Basicamente, a nossa escola é a mesma de há cem anos, a escola do quadro e do giz, que não diz nada à maioria dos miúdos. Sabemos que a escola é reconhecidamente teórica e que precisa de uma profunda remodelação.
O ministério fala há muito na implementação de cursos profissionais nas escolas do ensino básico, mas até agora não teve coragem de os implementar. A ideia de que estes cursos servem para segregar os alunos, dividindo-os entre aqueles que seguem uma via profissional e os que vão para a faculdade, está muito marcada pela realidade anterior ao 25 de Abril. Hoje em dia não acho que se possa pensar do mesmo modo, porque deve reconhecer-se que há jovens a quem se deveria dar a oportunidade de terem acesso a um ensino mais prático e orientado para a vida.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Nilza Guimarães
Professora
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Nilza Guimarães
Professora
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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