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A Joana da Figueira e os rapazes da Madeira

Para as crianças vitimas de violência familiar

Sabemos que o mito que orienta o nosso comportamento é o da Sagrada Família definida pelos cristãos romanos: um pai que trabalha, uma mãe a tomar conta da vida doméstica, uma criança que brinca com os seus pares e ensina aos eruditos do Templo de Jerusalém, por brincalhão, sorridente e sábio que é ao ponto dos pais ficarem impressionados. Ideias conhecidas por nós da cultura romana e faladas por mim nesta coluna imensas vezes. Reiterada, para lembrar sempre o necessário respeito incluído na interacção dos seres humanos, seja qual for a sua idade e a sua geração. Esse respeito que precisa de ser entendido como a conversa entre adulto e criança, com ideais e palavras definidas pelo entendimento do mais novo. O mito serve apenas para nos indicar da necessária bondade e educação que esse adulto transmite ao mais novo. No denominado Decálogo ou Dez Mandamentos, existe uma frase que manda respeitar pai e mãe. Mas, não há retorno: em lado algum é possível ler honrar as crianças. Pode-se comentar que todo o Decálogo tem por objectivo organizar o contexto de bem-estar para o conjunto do grupo social. E, sem qualquer dúvida, receio do esquecimento dos pequenos no conjunto da vida social. Diz Freud em 1885 que a criança  é todo ser humano desde a concepção até o começo do entendimento aos cinco anos de idade. Procura o seu divertimento ideal e erótico e a subtracção à morte, o que denominou Eros e Thanatos, para surpresa do mundo científico e do mundo social em geral. Até ao dia de hoje. Em 1966, um seu seguidor, Wilfred Bion, contradiz e para definir que o ser humano, criança ou adulto, tenta confrontar a dor para aceitar a humilhação a que a vida definida por Adam Smith, John Maynard Keynes, Margaret Thatcher, Ronald Reagan, pelo Ditador Pinochet, pelo teórico Milton Friedman e pela sua mulher, pelo ditador do mundo, esse Bush júnior e também pelo nosso governo actual: criam a raridade, a escassez, a falta de meios para viver, tal como referi no texto anterior. A ideia de Freud é hedonística, a de Bion é religiosa no sentido de disciplina: aceitar o sofrimento para desenvolver o entendimento e entender a verdade. Verdade definida como o facto infinito existente perante nós ou inconsciente, tratado como material presente ou consciência de ser.
Contexto duro. Contexto do crescimento da Joana. A lavar a loiça, a tomar conta de outras crianças, seus meios-irmãos, a cuidar da casa. E muito mais....Nos seus oito anos, a aguentar, sem prantos, gritos e batidas dos seus adultos. Sem defesa. Estava a entender a realidade. Uma entre tantos nos vários países do mundo; esses seres que a lei manda serem cuidados, tutorados, amados, geridos pelo quarto mandamento. Mandamento que obriga a Joana a não falar: a mãe e o seu homem são uma entidade de respeito. E desaparece. Nem sabemos onde anda nem para onde foi...levada ou não. A mãe não fala, apenas angaria a compaixão do povo nos primeiros dias e coloca toda a gente a orar para a menina aparecer. Até as suspeitas de crime serem levantadas pela deliciosa família dentro da qual Joana crescia...e vivia...bem ou mal. Aparece o pai finalmente ? estranho em Portugal, um pai abandona a mulher e, consequentemente, os mais novos que não são pessoas. Como diz a minha doutoranda, Angélica Espada: ? a criança, esse subentendido?. Interessa a mulher, não a ninhada....excepto se servem para ser comércio. Sem dúvida, Joana era o factotum de casa, a força de trabalho para um irmão de mãe que dorme na cadeia por medo do povo se zangar e puni-lo, bem como um parceiro da mãe que anda oculto. Adultos cujo comportamento incendeia a procissão das velas ao Sábado à noite, entre Figueira e Olhão e até de sítios mais distantes como Quarteira. Vêm progenitores e as suas crianças, em silêncio. Não a pedir ressurreição, mas a advertir que o povo está alerta, que o povo não se deixa enganar, que o povo não adquire medo do medo incutido com o dito terrorismo, e a polícia, já cansada de andar a conjecturar durante semanas alternativas de um suposto enterramento. Como em Atocha de Madrid, o povo junta-se por simples mensagens telefónicas e muda todo o sentido do espectro político do Reino de Espanha e o Governo retira até os Friedman da Economia bem como aos soldados mandados a morrer por convénio entre ditadores. O povo sabe. O povo está alerta.
E se o povo tiver mais palavras, diria comigo: vão à Alemanha, vão à Bélgica, entrem pelas redes pedófilas ou de prostituição infantil. Como já comentei nesta página imensas vezes, que os pais do pré ? púberes e púberes da Madeira, exibiam o preço mais alto atingido na venda do filho para o estrangeiro ou para a Net. Quem ganhava mais com a venda da carne tenra, ganhava prestígio social e vida melhor. Freud denominou este facto de aberração sexual, Bion, de facto não contingente por mutável. Eu, fico cansado de gritar com estas palavras e nos meus livros para acordar os que mandam e usam a criança que não é objecto de valor nem de mais valia. É de carinho, no meio do abandono que vivem pelos pais serem a força de trabalho do nosso governo. Pelos pais que recebem salários, como comentava Mauss em 1923, nem todos os lucros acumulados dos proprietários podiam restituir o devido em valor de trabalho da população. As Joanas não são enterradas em sítios desconhecidos ou lançadas ao rio. Andam pelas vias aéreas, de carro ou comboio a ser pasto dos hábitos dos ricos e dos que manipulam o poder.
A seguir uma conversa em aula, disse-me o meu discente Alexandre Versolato: ?Professor, não será que se enganou, e não é a Economia que deriva de Religião, mas sim ao contrário??, porque o povo desolado tem que ir a Fátima, a Kinock, a Lourdes, a Monserrat, para poder retirar das procuras religiosas, os seus filhos, que, como bem diz Angélica Espada, não são um subentendido: o conceito é irónico. Já passou a ditadura de Salazar, mas subsiste a que não entende a violência familiar. E com este golpe apimentado, fecho estas linhas, sem saber para onde me deva voltar.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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