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Universalização do ensino fundamental no Brasil

"A falácia da aprendizagem" (I)

Conforme os dados estatísticos apresentados pelo MEC no ano de 2001, o ensino fundamental havia sido universalizado no país; em outras palavras, o Brasil havia feito a ?tarefa de casa?. De lá pra cá, as críticas a respeito de como se deu esse processo de ?universalização?, têm tomado proporção central, sobretudo, por intermédio dos debates promovidos pelos educadores comprometidos com o ensino público, gratuito e de qualidade. Assim sendo, nossa intenção neste ensaio é, à luz das reflexões de alguns desses educadores, reconstituir historicamente o viés falacioso da aprendizagem embutido na tão festejada ?universalização? e ao mesmo tempo, mostrar a plasticidade com que o Estado (neo)liberal apropriou-se das ?bandeiras? de luta da esquerda, resignificando-as, inclusive, com o endosso de boa parte dos profissionais da educação que militavam nos partidos de esquerda.
Por razões de espaço, este ensaio é dividido em duas partes. A primeira é publicada neste número e a segunda no número de Outubro.

A universalização do ensino fundamental no Brasil está posta. Se por um lado, ela não corresponde aos anseios qualitativos que se buscava para os respectivos graus de ensino do país, por outro, ela se constitui a resultante consensual entre a sociedade civil e a sociedade política, a fim de legitimar as práticas (neo)liberais do Estado capitalista. Em Gracindo (1994, p.20), podemos encontrar,
?(...) São os partidos políticos, em última instância, que traçam a política educacional brasileira, ao elaborarem as leis de ensino, nos diversos níveis do poder legislativo e ao traçarem diretrizes e programas educacionais, quando assumem o comando da administração pública nos níveis municipal, estadual e federal do executivo?.
Portanto, é no plano político que se encaminham as propostas educacionais; porém, não se pode perder de vista, que estas, são frutos dos embates teóricos ocorridos nas diversas instâncias representativas da sociedade (fóruns, seminários, congressos, simpósios, audiências públicas, etc). Logo, se a resultante desses momentos dialéticos ganha um contorno equivocado, é possível que não haja um rompimento com o modelo vigente, mas tão somente, um reforçamento na manutenção do ?status quo?. Tudo indica que esta foi a tônica presente na busca pela redemocratização do país no limiar do anos 70 e 80 e início dos anos 90, quando grande parte dos intelectuais da esquerda, obstinados em garantir conquistas sociais às classes subalternas, acabaram não percebendo a resignificação que o Estado (neo)liberal, através da sociedade política, estava dando as suas ?bandeiras? de luta; tal processo pode ser identificado nas palavras de NOGUEIRA E BORGES,
?(...) Na medida em que se transformou a defesa da participação da comunidade na escola em o ?dia da família na escola?, a qualidade em qualidade total, a conquista democrática de descentralização administrativa e de financiamento em desresponsabilidade do Estado para com a educação, e a gestão democrática em gestão compartilhada ou participativa?. 
Nesse sentido, não houve um rompimento sócio-político e econômico durante o período de transição entre o Estado ditatorial ? já no seu limite ? e o Estado ?democrático? que se vislumbrava. Outrossim, por inferência, somos levados a perceber que, o que ocorreu na realidade foi a manutenção do bloco histórico no poder, com o devido reforço de suas ideologias. Obviamente que não se pode descartar do contexto, a influência que o mercado financeiro exerceu sobre a condutibilidade político-econômica do país, por meio da manutenção do capital bancário.
Um dos questionamentos que ainda persiste nas academias, refere-se ao porque da prioridade dada ao ensino fundamental; ora, importa esclarecer que, em primeiro lugar, havia um consenso ?aparente? que permeava as propostas das diversas representações políticas a respeito desse grau de ensino, sobretudo, as provenientes dos partidos políticos e, em segundo lugar, por entender-se ser este grau de ensino ?o mínimo exigido para uma educação democrática? que privilegie a construção da cidadania. Todavia, a acusação percebida no discurso da grande maioria dos educadores de esquerda, de que o Estado (neo)liberal configura-se como antidemocrático, tem sido combatida por uma pequena parte desses educadores, sob a afirmação de que, em seu limite, o Estado (neo)liberal não é antidemocrático, uma vez que defende como pressupostos a ?igualdade? jurídica para todos e a representatividade política através do voto; nesse mister, o Estado (neo)liberal seria ?democrático? e estaria cumprido o seu papel.
Indo mais além, no entanto, buscando compreender melhor o que levou os representantes da esquerda a persistirem num possível ?erro? estratégico, direcionado contra os pressupostos acima; fomos notando que, a universalização do ensino fundamental no Brasil ocorreu de acordo com a realidade social objetiva, compreendendo esta, segundo as dimensões consideradas por SAMPAIO (1982), isto é, ?a política, a econômica e a cultural?. Se por um lado o Estado (neo)liberal pressupõe a democracia como sendo a garantia da ?igualdade? jurídico-representativa, pelo outro, ele mostra sua face antidemocrática ao privilegiar o despotismo político e o autoritarismo ? próprios desse regime ? que incidem diretamente sobre a necessidade de mudança cultural; é portanto, nessa esfera que também devem atuar os educadores de esquerda, contrapondo-se à forma como essa mudança está sendo executada.

Referências bibliográficas
GRACINDO, Regina Vinhaes. O Escrito, o Dito e o Feito: Educação e Partidos Políticos. Campinas, SP: Papirus,1994.
DE LIMA, Antônio Bosco e outros. A ?Gestão Democrática? Educacional na Redefinição  do Papel do Estado. In: NOGUEIRA, Francis Mary Guimarães (org.). Estado e Políticas Sociais no Brasil. Cascavel: Edunioeste, 2001.
A Efetivação da Universalização do Ensino Fundamental e o Processo de Democratização no Brasil. NOGUEIRA, Francis Mary Guimarães e BORGES, Liliam Faria Porto.
GENTILLI, Pablo. Adeus à Escola Pública: A Desordem Neoliberal, a Violência do Mercado e o Destino da Educação das Maiorias. In: GENTILLI, Pablo (org.). Pedagogia da Exculsao ? Crítica ao Neoliberalismo em Educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Francisco Leonardo dos Santos Cavalcante
Graduado em Pedagogia e Pós-Graduando em Fundamentos da Educação na UNIOESTE ? PR, Brasil
Francisco Leonardo dos Santos Cavalcante
Graduado em Pedagogia e Pós-Graduando em Fundamentos da Educação na UNIOESTE ? PR, Brasil

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