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Escolas de pesquisa

Para mim todas as escolas, para serem completas, têm de se assumir como locais em que a transmissão de conhecimento não basta, mas a sua pesquisa e criação são igualmente essenciais à sua função social. E isto deve suceder, enquanto atitude pedagógica, desde a pré-primária até à universidade ou politécnico mais avançado. O que irá variar entre os vários níveis de ensino é a proporção (e os meios) da investigação em curso.

Declaro desde já que sou contra a existência, defendida por alguns para o ensino superior, de universidades de primeira (ditas de investigação) e de segunda (por vezes chamadas ?politécnicos?, ou de ensino, pois correspondem a uma espécie de liceus avançados, onde não existe investigação), à moda do sistema piramidal americano, aqui importado apenas em certos aspectos: geralmente quem propõe este tipo de sistema ?binário? situa-se, obviamente, nas primeiras, e, por estereótipo, bastante mais motivado pelos artigos científicos a publicar que pela componente lectiva, sobretudo as disciplinas propedêuticas dos primeiros anos dos cursos superiores. E aqui já falha a ?analogia? americana: estas disciplinas, nas boas universidades americanas, são da responsabilidade dos seus docentes mais experientes e graduados (correspondentes aos professores catedráticos ou coordenadores, no nosso sistema), e as cadeiras especializadas são normalmente confiadas a docentes mais jovens, no seu domínio específico de especialização. São raras as situações no nosso ensino superior em que o critério usual é este?
Neste conceito de escolas, e referindo-me agora ao ensino superior, considero obrigatório que a larga maioria dos seus membros tenha uma dupla carreira, docente e de investigação (com dignidades equivalentes? e possibilidades de percentagens variáveis de actividade em cada, ao longo do tempo) ? pois é inerente à classificação de ?superior?, nesta óptica, a criação de conhecimento, e portanto a investigação (sem ?adjectivos? de pura e/ou aplicada? simplesmente toda!). Concluo daí para o futuro das carreiras neste sector ? e ressalvados todos os direitos na transição ? que se iniciem pelo doutoramento, que é a prova que ?profissionaliza? os investigadores comprovados? tendo de se garantir também formação (e avaliação) pedagógica complementar à científica. Daí que, podendo ?arrumar? algumas escolas - quanto mais não seja por razões históricas - em institutos (ou universidades) politécnicos, consideraria a existência de um nível único diversificado de instituições de ensino superior com um único estatuto de carreiras, e com obrigação de todas de contribuir com a sua investigação, na medida da sua própria evolução e meios, para a melhoria do nosso nível de investigação científica, no contexto do espaço europeu. E considero que Bolonha, com um nível único de diploma profissionalizante, levará à convergência, a prazo, dos dois tipos de instituições, onde existem ainda. Não aceito, portanto também, que se criem universidades, nem públicas nem privadas, que não façam qualquer investigação, e não constituam os baluartes mais avançados da criação de sabedoria e inovação no país!
E quanto ao ensino secundário, e mesmo no básico? Os professores que leccionam a níveis mais elementares não têm a obrigação dos seus colegas do ensino superior de dominarem o ?top? da sua arte, mas não deixam por isso de ter uma necessidade de actualização permanente, quer quanto aos conteúdos que leccionam, quer quanto às técnicas e pedagogias que deverão utilizar, bem como toda a panóplia de meios de que poderão dispor como auxiliares para a sua função. E isso passa, para além das horas lectivas e de estrita preparação de aulas, por uma atitude e um tempo de pesquisa e investigação, também nestes níveis de ensino. Veria pois com bons olhos duas medidas, sem grandes custos financeiros adicionais, sobretudo face às vantagens que daí adviriam: (i) a criação, nas escolas básicas e secundárias é à medida em que fosse possível, de Centros de Investigação e Divulgação Científica ? não forçosamente apenas nos domínios da Ciências de Educação, mas nos vários temas que motivassem um mínimo de docentes a participar! -, e os professores que optassem pela dupla função de docente e investigador, teriam um horário distribuído pelas duas componentes, com formação e avaliação adequadas, um pouco como se faz com os Centros de Investigação das universidades?e sendo igualmente financiados para essas actividades; (ii) em locais mais próximos de centros de Investigação universitários ou politécnicos, poderiam ser cooptados alguns professores do básico ou secundário para integrarem equipas de investigação já em curso (com a inerente redução de horário lectivo? e a avaliação referida acima) ? que poderiam até, a prazo, levá-los à realização de provas de pós-graduação, mas sem a obrigação estrita de o fazerem. Claro que, diminuindo o tempo lectivo de alguns docentes, a troco de realizarem actividades de investigação, necessitaria de contratar alguns mais para os substituir, o que não parece difícil em tempo em que se diz que sobram? e obtinha-se reforço da massa crítica em certas equipas a custos relativamente baixos! Além de que? - e creio que todos os que já passaram por essa experiência o sabem muito bem! ? quando se sente que já se contribuiu, mesmo à nossa pequena escala, para a criação de ciência, e se pode comunicar ?isso? aos alunos, sentimo-nos bem mais capazes de partilhar com eles o conhecimento!...
Em resumo: num país com a nossa baixa taxa de ?investigadores? ETI/população, mas em que não temos, ao contrário de alguns outros países europeus, escassez de professores, poderíamos optimizar a utilização dos licenciados em ensino que formamos, e incentivar uma permanente atitude pedagógica de pesquisa e procura, seja ao nível das nossas salas de aulas (e até actividades lúdicas), ou ao dos laboratórios mais sofisticados.
Há apenas um ?grave? inconveniente associado à generalização desta atitude investigativa: todo o investigador que se preza põe permanentemente em questão as ?certezas? da véspera, e ?evidências? que nem sempre o são? e alargaríamos, ao nível dos professores? com ?contágio? provável para os alunos, esta atitude de rebeldia que consiste no questionar-se e questionar a autoridade? e até questionar esta minha opinião? mas também foi exactamente para isso que a escrevi.
Continuarei a lutar por uma escola desinstalada e que nos desafie!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora
Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora

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