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Traçando e destrançando fios para recriar a sala de aula

Viver o dia-a-dia de uma escola tem-me instigado a repensar questões apontadas pelos professores em seus comentários sobre alunos. São questões ligadas à indisciplina, ao desinteresse desse grupo pelo trabalho desenvolvido em sala, que fazem aumentar em mim o desejo de fugir do circuito das respostas habituais.

A presença da TV na vida do jovem há muito me provoca. Recentemente, essa provocação acabou por gerar um trabalho no qual pesquisei a relação que um grupo de jovens (foto 1) estabelece  com esse  meio de comunicação. Destaco, neste artigo, falas que trouxeram à cena indagações sobre o cotidiano escolar e educacional:
Acho que, se levassem [nos programas educativos] a matéria para a vida real, chamaria mais nossa atenção. Até nas escolas no momento que dão só o tema, alguma coisa que a gente não vai utilizar em nossa vida, não chama nossa atenção. Mesmo que a gente tenha que estudar, vai ser por obrigação.
A fala de Renata permite-nos perceber algo que parece desagradar aos jovens quer em alguns programas educativos, quer em certas aulas: o formalismo enfadonho, a incapacidade de aguçar a curiosidade. Leva-nos a refletir sobre o sentido do apresentado em aula e também do que é esquecido ou abafado. Convida-nos a buscar aí possíveis causas da apatia, da indisciplina e do fracasso de alguns alunos, a superar um entendimento homogeneizado dos alunos e a considerá-los como sujeitos socioculturais possuidores de saberes, de experiências, de angústias e de projetos.
Questionar a distância com freqüência estabelecida entre escola e vida é ir além de inclusão de outros conteúdos cognitivos que poderão interessar ao aluno. Implica trabalhar com o desejo, o diálogo, a emoção e a imaginação que se fazem presentes entre os alunos e que não podem ser compreendidas como questões menores em termos de currículo. Penso ser necessário estruturarmos o trabalho sem nos esquecermos do ontem e do amanhã, mas não deixando de lado o hoje, os dilemas que estão aí, interrogando cotidianamente esses jovens, envolvendo seus corpos, suas mentes e corações.
As considerações trazidas pelos jovens a respeito do significado do que a escola ensina fornecem-nos pistas para entendermos a importância que eles atribuem à TV. O silenciamento, em sala de aula, de questões que mobilizam seu interesse colabora para que certas propostas da escola se tornem menos significativas que aquelas apresentadas pela TV, gerando, um adiamento ou mesmo um abandono de tarefas escolares. Como nos indica Luciana: Às vezes está passando um programa legal. A gente olha. Espera aí. Vou deixar o estudo de lado e vou ver.(...). Depois eu faço o dever.
Luciana remete-nos a pensar em que o tempo não é sempre a mesma coisa. São muitas as experiências que nos indicam como os instantes podem se tornam subjetivamente assimétricos. No prazer, na alegria, o instante se esvai; na tristeza, se transforma em algo interminável. O tempo de escola, muitas vezes, configura-se para o jovem como longo porque se arrasta, porque é preenchido por tarefas que se apresentam destituídas de sentido. Com a TV, freqüentemente, ocorre o inverso. Sua capacidade de envolver o jovem acaba trazendo a experiência de tempo curto.      
Os jovens, conforme explicitado na pesquisa, não aceitam tudo que a TV apresenta. No entanto, aprendem muitas coisas com a televisão, fazendo-nos refletir que, mesmo não tendo licença para ensinar, a TV possui uma dimensão educativa. E ainda levando-nos a considerar que a TV, mesmo quando deixada de fora do planejamento e das ações docentes, está na escola, trazida por todos que a freqüentam, alterando os modos de aprender/apreender, de ser, estar e se portar no mundo, acarretando profundas mudanças nas maneiras de os homens relacionarem-se e expressarem-se e configurando-se como parte da ampla rede na qual a subjetividade é tecida. Essa presença não pode continuar sendo ignorada como fato da educação. Como nos alertam os pesquisadores dos estudos culturais, é necessário que ampliemos a noção de pedagogia e de currículo e que nos debrucemos sobre outros ambientes educativos que não o escolar. Tudo isso se faz desafio para os que, como eu, desejam uma escola que leve em conta o cotidiano dos alunos e acreditam que para isso se faz necessário também a escola melhorar seus jogos interlocutivos com os meios, apreendendo criticamente o que eles nos trazem.
Esses são fios que se trançaram com provocações percebidas nos murmúrios do cotidiano escolar, apontando-nos pistas extraídas da escuta de questões e perplexidades, trazidas de outros ambientes educativos nos quais os jovens vivem, sentem e recriam-se.  Fios/pistas que podem contribuir para reencantar a escola.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Geni Amélia Nader Vasconcelos
Univ. do Estado do Rio de Janeiro. Grupo de Pesquisa Redes de Saberes em Educação e Comunicação
Geni Amélia Nader Vasconcelos
Univ. do Estado do Rio de Janeiro. Grupo de Pesquisa Redes de Saberes em Educação e Comunicação

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