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Sindicalismo democrático e independente ou vírus neoliberal?
A pretexto de uma tentativa de relançamento, agora nas páginas deste prestigiado jornal, da polémica em torno das questões da ética e da deontologia profissionais dos docentes em Portugal, o professor Pereira dos Santos lança-se numa diatribe tão inesperada quanto desajustada sobre o movimento sindical docente corporizado na FENPROF e nos seus sindicatos, movimento esse de que faz parte há muitos anos, embora o escamoteie por completo no artigo de opinião que produziu. [a PÁGINA, 136, Julho, 2004]. Da leitura global do seu texto é fácil concluir que, enquanto numa pequena parte do seu conteúdo se afloram algumas preocupações e considerações sobre ética e deontologia, escritas de forma leve, solta e nada inovadora, é no espaço restante, que reserva à sua preocupação com o ?envelhecimento? dos sindicatos e das formas de organização pelas quais pautam o seu ?activismo pelo puro activismo?, que denota um criticismo tão apurado quanto surpreendente, dado não lhe serem conhecidas reflexões nesse sentido partilhadas nas estruturas sindicais de que faz parte. Acreditamos aqui tratar-se de espaços que, embora seus, não conheça bem, como se comprova facilmente com o facto de iniciar o seu artigo valorizando (aparentemente) a subscrição por parte da FENPROF da ?Declaração da Internacional de Educação sobre ética profissional?, ocorrida há 3 anos, remetendo a sua consulta para o site daquela organização, e esquecer que a FENPROF e os seus sindicatos divulgaram essa Declaração quer através da sua imprensa sindical quer através de um desdobrável próprio, destinado a circular entre os professores e alimentar a discussão em torno de tão importante matéria. Enfim, omissões que fazem parte da leveza da escrita, certamente. Mas, não havendo no artigo em apreço nada que valha a pena polemizar no que concerne à ética e à deontologia docentes, é relativamente aos cáusticos, incorrectos, desajustados e até insultuosos juízos de valor sobre o sindicalismo que se pratica no seio da FENPROF, sobre um grande conjunto de dirigentes que têm sabido corporizar os grandes princípios que subjazem a um sindicalismo independente, autónomo, reflexivo e actuante, e até sobre essa enorme massa de professores que se revê na actuação desta Federação, sindicalizados ou não, que este artigo de opinião merece um contraponto firme e claro. Que estarão a pensar do professor Pereira dos Santos os muitos milhares de professores que se envolveram e envolvem generosamente nas muitas lutas que foram e são chamados a travar ao serem confrontados com uma acusação de serem mobilizáveis apenas ?em termos pseudo-reivindicativos?? Será que são seres inferiores, não pensantes, arrebanhados para essas lutas de forma mecânica pelo ?corpo de intervenção? que rodeia os ?eternos dirigentes? que, democraticamente, decidem eleger para as direcções sindicais em que confiam? Claro que quando se diz que este movimento já não é regenerável porque no seu seio não ?existe reflexão interna?, ou seja, quando se age por agir e não se pensa na acção, os 70 mil professores que tornam a FENPROF a força prestigiada que é hoje, mais os muitos outros que a ela se juntam nos momentos mais decisivos, são olhados como uma multidão de robots, comandados à distância, a partir de meia dúzia de comandos básicos, os suficientes para os pôr em movimento e... agir por agir, quiçá só para provar que existem. Mas será que este conjunto de proposições que o autor salpica abundantemente pelo seu texto terá alguma aproximação, distante que seja, ao que se passa na actualidade no seio deste movimento sindical? Será que a asserção proclamando uma ?desafectação quase total das camadas mais jovens para este tipo de associações? tem um mínimo de correspondência com a realidade? Saberá ele da permanente entrada de jovens professores nestes sindicatos, procurando aqui o apoio, o acompanhamento, a atenção e também a acção em torno dos problemas da estabilidade de emprego, do combate ao desemprego, da melhoria das condições sócio-profissionais de uma camada tão significativa de docentes com menos anos de serviço? Saberá ele da ?renovação geracional? que se opera nas direcções sindicais em cada eleição para os seus corpos gerentes, com a entrada significativa de jovens quadros sindicais que, ainda que com curta experiência, revelam uma enorme generosidade e uma entrega determinada ao exigente trabalho que se lhes depara, factores decisivos para se caldearem de forma positiva vivências diferentes e olhares também diversos sobre os problemas das nossas escolas e da nossa profissão? Não é certo que o professor Pereira dos Santos saiba tudo isto, embora tenhamos a certeza que tem a obrigação de o saber. Porém, há duas passagens no seu artigo que nos ajudam a perceber melhor o seu pensamento. A determinada altura diz ?...vai havendo arrogância, estupidez e incompetência quanto baste no Ministério (qual deles?) que vai dando razão a este tipo de respostas sindicais e servindo de ?balão de oxigénio? à persistência deste tipo de prioridades?, acrescentando mais adiante ?mas que iremos inventar um dia que o Ministério sempre se resolva a ser competente a colocar professores, em carreiras minimamente estáveis e aceitavelmente remuneradas à escala do país que somos, (...) mas procure, com sinceridade, a nossa colaboração de profissionais do sector para ajudar a resolvê-los? Teríamos que nos ver livres imediatamente de tal tutela... que nos esvaziaria rapidamente este tipo de sindicalismo que estamos habituados a fazer!? Se bem interpretarmos este raciocínio, sugere-se aqui que este sindicalismo sumariamente catalogado neste artigo de opinião, trataria de imediato de tentar derrubar uma equipa ministerial que viesse a assumir uma atitude responsável e séria face à Educação, que se dispusesse a resolver os muitos problemas do sistema educativo português e que o tentasse fazer com preocupações de diálogo sério com os diferentes parceiros sociais, nomeadamente os sindicatos. Ou, mais simplesmente, destruir para existir. Não se podia ir mais longe no insulto à FENPROF e aos seus sindicatos. Como, ainda mais adiante, admite estar convencido ?de que este envelhecimento não é uma fatalidade, que a disponibilidade e acção empenhada de muitos colegas pode ter mais sentido e melhor utilidade do que o horizonte actual deixa prever...?, afigura-se-nos como mais provável que o que verdadeiramente incomoda este nosso colega é a teimosia de ousarmos ser independentes dos governos enquanto sindicalistas, não deixarmos de criticar autonomamente tudo o que entendemos como mau para os professores e para a educação, não calar as denúncias que achamos dever fazer em cada momento oportuno e não deixarmos de chamar os professores à luta sempre que esta se revele necessária para contrariar, combater e derrotar desígnios que afectem a nossa condição profissional ou a qualidade do sistema educativo. Desiludam-se todos os que pensem o contrário porque a FENPROF continuará firme na sua postura de independência de pensamento e de acção face ao poder político, seja ele mais próximo ou mais afastado nos planos ideológico e político do pensamento de cada um dos dirigentes que, democraticamente respaldados pelo apoio dos professores que os elegem, se afirmam como disponíveis para lutar pela melhoria da situação sócio-profissional de todos os docentes, por uma melhor e mais democrática educação para todos, pelos direitos de todos os trabalhadores a uma melhor e mais justa condição de vida, pelo desenvolvimento do nosso país.

  
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Secretariado Nacional da FENPROF

Secretariado Nacional da FENPROF

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