Página  >  Edições  >  N.º 136  >  Tomar o pulso ao Ensino Superior

Tomar o pulso ao Ensino Superior

No rescaldo de um ano e na pré-época de outro

Julho. Fazem-se os últimos exames. Aos que chumbam resta a promissora época de Setembro. No rescaldo do ano lectivo de 2003/04, A PÁGINA faz um balanço das alterações que afectaram o Ensino Superior e das reacções dos protagonistas. Ficamos a saber que algumas das reivindicações que marcaram este ano lectivo vão transitar de ano.

Propinas para sempre

Continua o jogo do rato e do gato, entre estudantes e reitores iniciado no ano passado, o primeiro ano de aplicação da Lei do Financiamento (37/ 2003 de 22 de Agosto) que previa a afixação das propinas pelos próprios estabelecimentos de ensino.
Em 2004/05 as propinas vão oscilar entre um mínimo de 475€ e um máximo de 880€ por ano. A Universidades de Aveiro foi a primeira a aprovar a propina máxima. A Universidade de Coimbra fez o mesmo, mas não sem sobressaltos. A votação foi realizada por correspondência, para evitar as invasões do Senado ocorridas no ano passado a quando a votação. Ainda assim, os estudantes tentaram impedir a contagem invadindo a sala onde era efectuada, mas esta acabou por ser transferida para outro local.
A Universidade Nova de Lisboa vai propor a cobrança de propina de 880€ em todas as faculdades. Já no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, o valor máximo foi chumbado.
A Universidade do Porto tinha no ano passado aprovado a afixação das propinas para três anos lectivos: 600€, 750€ (2004/05) e 880€ (2005/06). Pelo que se espera que o valor proposto seja o então definido, ainda que este deva ser sujeito a nova votação. Por isso, a Federação Académica do Porto (FAP) apresentou, há um mês no Tribunal Administrativo do Porto, um processo de impugnação à fixação das propinas, por parte dos conselhos directivos. E promete continuar a luta. Até porque, Nuno Reis, presidente da FAP, não esquece o modo ?feio? como decorreu a afixação das propinas no ano passado: ?Em vez de discutir a questão das propinas no plenário do Senado, a Universidade do Porto, aprovou a fixação das propinas na secção permanente do Senado, onde na altura os estudantes não tinham representação porque os mandatos dos seus representantes tinham caducado.?
Recorde-se que a Lei do Financiamento prevê que nas universidades a fixação das propinas seja feita pelo senado, sob proposta do reitor; nos politécnicos, pelo conselho geral, sob proposta do presidente; nos estabelecimentos de ensino superior não integrados e nas unidades orgânicas com autonomia administrativa e financeira, pelo respectivo órgão directivo.

Pela paridade

Sustentam que a proposta de Lei de Autonomia Universitária representa ?o fim da gestão democrática das universidades?, pois faz desaparecer o princípio da paridade entre eleitos, consagrado na Lei 108/88. Estas críticas juntaram a Associação Académica de Coimbra e os funcionários não docentes da Universidade de Coimbra na contestação ao diploma.
Os dois corpos universitários acreditam que a lei espelha uma ?tentativa de diminuição da sua representatividade?. A possibilidade de o reitor passar a ser designado, deixando de ser eleito por um órgão colegial, é também alvo de críticas.
A FAP subscreve as críticas. Nuno Reis, considera o anteprojecto contrário à Declaração de Bolonha. Ou seja: ?pretende desincentivar a participação dos estudantes na gestão da política das instituições?. O presidente da FAP diz recusar o ?papel decorativo? que a lei impõe ao estudante, ?sem ter qualquer poder para influenciar as decisões que são tomadas?.
A Associação Nacional dos Funcionários das Universidades Públicas já apelou à oposição para assumir uma postura ?mais firme, para evitar a que a lei vá para a frente?.

Politécnico, mas pouco

Na impossibilidade de conferirem o grau académico de doutor, decorrente da Lei de Bases da Educação, o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos sugeriu, em comunicado, a alteração da denominação dos institutos politécnicos para ?universidades politécnicas?.
Segundo o CCISP, ?continuam a não ser critérios de natureza científica e pedagógica que determinam a competência das instituições para atribuir o grau de doutor?. Por isso esta mudança de designação seria uma maneira de contornar a lei libertando os politécnicos das limitações ?fundadas apenas em razão da sua designação?.
O mal-estar neste grau de ensino já levou a Associação de Municípios da Alta Estremadura (AMAE)a pedir uma audiência ao Ministério da Ciência e Ensino Superior para discutir a transformação do Instituto Politécnico de Leiria em universidade. Um acto que poderá abrir um precedente.
Contrariando um certo clima de concorrência entre universidades e politécnicos, a Universidade Nova de Lisboa e os institutos politécnicos de Lisboa, Setúbal e Santarém reuniram-se num consórcio público. Com esta junção pretendem definir estratégias articuladas no desenvolvimento do ensino superior na região de Lisboa e Vale do Tejo.
O consórcio, asseguram, vai também optimizar a oferta de cursos, estabelecer princípios comuns para o reconhecimento e creditação das qualificações formais e informais, promover a mobilidade de alunos e professores e conceder graus académicos sob a égide comum. Para além do consórcio, as quatro instituições públicas decidiram ainda alargar a cooperação institucional a um estabelecimento de ensino superior privado: o Instituto Superior de Psicologia Aplicada.

Contestação de Abril

28 de Abril foi dia de manifestação. Mais de meia centena de professores universitários e do politécnico, de todo o país, incluindo ilhas rumaram ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior (MCES), em Lisboa, para contestar a precariedade vivida nas escolas.
Em causa está a progressão na carreira dos professores auxiliares que até agora estava dependente da abertura de uma vaga para associado. Uma situação que Graça de Carvalho assegurou vir a ser alterada com a criação de um quadro para professores auxiliares e associados, onde será fixado um número global de docentes que poderão integrá-lo. O ?quadro circular?. No entanto, apesar da passagem de professor auxiliar para associado ficar desbloqueada não significa que todos passem, adianta a Federação Nacional dos Professores. A progressão será sujeita à prestação de provas.

Em Agosto não!

As negociações para a revisão do Estatuto da Carreira Docente ainda não começaram. E os sindicatos de professores desesperam. Não querem que a discussão se faça numa altura em que o sistema de ensino está em período de férias.
Graça Carvalho, ministra da Ciência e Ensino Superior já fez saber que ?o estatuto é a grande reforma? e que terá um tronco comum aos dois subsistemas sendo depois dividido em dois subestatutos, um para o ensino universitário e outro para o politécnico.
Entretanto conhecessem-se já duas das propostas que figuram no projecto de Estatuto Carreira Docente para o ensino superior. Uma defende que os estabelecimentos de ensino abram lugares a doutorados que se encontrem fora dele. A outra prevê que a carreira de professor se inicie com o doutoramento.

Mais universidades

A Universidade Pública de Viseu vai ser uma realidade, cumprindo-se assim um dos mais emblemáticos compromissos eleitorais do PSD e uma reivindicação que os viseenses acalentavam há mais de 20 anos. Mas nem todos se regozijam com a medida.
A Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico de Lisboa, segundo o seu presidente, Nuno Abrantes preocupada com o que se passa à sua volta, classificou a medida de ?eleitoralista?. Para os estudantes a resolução dos problemas da ?desorganização? da rede do ensino superior no país passam pela reformulação ou mesmo o encerramento de alguns cursos e o alargamento da oferta de outros, e não pela abertura de mais uma instituição, independentemente da sua localização. As instituições de ensino superior existentes na cidade Universidade Católica, Instituto Piaget e Politécnico mostram algum receio.
Contra a criação de uma universidade pública em Viseu está também o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP). Sendo a área de formação da futura universidade as tecnologias de saúde, o CCISP sublinha que faria todo o sentido integrar essa vertente no politécnico já existente naquela região. ?Estaremos perante a singular situação de se criar uma universidade de raiz para ministrar ensino claramente politécnico que poderia ser ministrado na Escola Superior de Ciências das Saúde de Viseu, por conversão da actual Escola Superior de Enfermagem?, lê-se em comunicado.
Entretanto, no site oficial do Ministério da Ciência e do Ensino Superior, surge uma nova polémica sobre a criação de novas universidades. A chamada de atenção partiu do PS, o Governo anunciava a criação de 32 novas universidades num documento intitulado ?Acções de Governação 2002-2006?. A tutela garante que a lista das ?novas escolas? não se refere a decisões tomadas, mas apenas ?a tomar?. E que nenhuma será criada à revelia da Lei do Regime Jurídico da Qualidade e Desenvolvimento do Ensino Superior, aprovada em 2003 pelo actual Governo onde se proíbe a criação de instituições superiores públicas sem o seu parecer prévio, ainda que este não seja vinculativo. O documento que suscitou a denúncia já não se encontra online.

Medicina, a quanto obrigas

No próximo ano lectivo haverá mais 169 vagas em Medicina, entre elas, 55 para os Açores e a Madeira. Em 2003/04 o aumento ficou-se nas 11 vagas. O Governo assegura o ?equilíbrio entre a quantidade e a qualidade?.
Entretanto, um Grupo de Acompanhamento para a Saúde liderado por Alberto Amaral, ex-reitor da Universidade do Porto, prepara um relatório sobre os projectos apresentados pelas universidades privadas que querem leccionar cursos de medicina. São elas: as universidades Fernando Pessoa, Lusófona, Escola Universitária Vasco da Gama e institutos Piaget de Viseu, Superior de Ciências da Saúde do Norte e Superior de Ciências da Saúde do Sul. Mas de acordo com Maria da Graça Carvalho o primeiro relatório sobre esta matéria revela que nenhum dos estabelecimentos candidatos a leccionar Medicina cumpria os ?requisitos mínimos?. Mas ?nenhuma está excluída?, uma vez que se tratou uma avaliação preliminar, acrescenta a ministra da Ciência e Ensino Superior.
A disputa da Medicina segue também nas universidades públicas de Évora e do Algarve. Uma das cidades, Évora ou Faro, terá a ?possibilidade? de vir a ter o hospital universitário da zona sul. Adriano Pimpão, reitor da Universidade do Algarve, sublinhou o facto de já serem ministrados neste estabelecimento cursos na área da saúde, o que poderá colocar o estabelecimento de ensino em melhor posição.
Entre tudo, a polémica das quotas de homens nos cursos de Medicina dominou as atenções de estudantes, associações feministas, ordens de Médicos e sindicatos.
Tudo começou quando António Sousa Pereira, médico e presidente do conselho directivo do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, defendeu, em declarações ao Público (02/06/2004), a criação de quotas para os homens nas faculdades de Medicina, como forma de promover um maior equilíbrio de sexos na profissão.
A Comissão para os Direitos das Mulheres mostrou-se indignada com a ideia. Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças também. A ministra da Ciência e Ensino Superior, Graça Carvalho considerou-a ?completamente impensável?, justificando que o critério de escolha dos alunos é o desempenho. Recorde-se que no ano lectivo de 2003/04, mais 1500 mulheres do que homens frequentaram os cursos de medicina, o que faz prever um aumento do número de médicas.

Em audiência com Jorge Sampaio
Estudantes contestam Lei de Bases da Educação

Cerca de 70 associações académicas do ensino superior subscreveram um documento onde defendem a ?inconstitucionalidade? da Lei de Bases da Educação (LBE). Os estudantes vão reunir-se com Jorge Sampaio e pedir-lhe que envie a lei de Bases da Educação para o Tribunal Constitucional.
Em declarações à PÁGINA, Nuno Reis, presidente da Federação Académica do Porto recorda que pela primeira vez, a LBE foi aprovada apenas pelos partidos do Governo. Logo, conclui: ?há a possibilidade de todos os outros partidos da oposição, que possam vir um dia a ser Governo, poderem vir a aprovar uma nova LBE, pois nenhum deles se revê nesta.? O que na opinião de Nuno Reis contraria o espírito de qualquer lei de bases que deve ?sobreviver a vários Governos?.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo