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Sobre o debate da Lei de Bases da Educação

Quando este texto for publicado, já terá sido iniciado o debate em sede de especialidade dos textos ? do governo e da oposição ? relativos ao sistema educativo. Justifica-se, na minha opinião, activar as memórias de todos os que, nesta matéria, têm e terão responsabilidades na definição de uma Nova Lei de Bases do Sistema Educativo.
No terminus da sessão legislativa anterior a maioria (PSD/CDS-PP) impôs a discussão, na generalidade, de uma proposta de lei que formula profundas alterações ao actual ordenamento jurídico do sistema educativo. O Governo apresentou um texto que resultara, exclusivamente, das suas reflexões.
As organizações sindicais, a Confederação das Associações de Pais, o Conselho de Reitores, o Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos, as Associações Académicas não tinham sido ouvidas. Uma maioria absoluta não é necessariamente uma maioria iluminada. E esta maioria caminhou mesmo às escuras, aos tropeções e sozinha.
O Conselho Nacional de Educação, na recente formulação do seu parecer, tendo como guião fundamental o texto do Governo, afirmou que, ao contrário de que o Governo sustenta, os problemas do sistema ?não nos parecem derivar, pelo menos, exclusivamente de constrangimentos legais, ao ponto de, só por si, justificarem esta iniciativa legislativa?. E acrescentou como conclusão final que ?Importa que o poder político em Portugal (?) veja a educação como um factor estrutural ao desenvolvimentos do país e à valorização dos portugueses.
Para isso torna-se fundamental haver uma maior moderação na produção de legislação e de mudanças nas práticas instituídas por maiores adjectivações de ?reforma? ou de ?inovação? que se juntem. O sistema educativo português necessita de maior estabilidade nas suas reformas, e sobretudo que estas possam chegar ao seu termo e ser devidamente avaliadas. É possível que vários dos disfuncionamentos e fraca ?produtividade? do próprio sistema sejam atribuídos à instabilidade criada por uma excessiva e permanente atitude legisladora em matéria de educação por parte do poder político em Portugal?.
Esta reflexão é o mais claro atestado de reprovação à governação da maioria em matéria educativa.
De facto, não há área, da educação à formação, passando pela ciência; não há nível de ensino do pré-escolar ao superior, passando pelo básico e pelo secundário; não há matéria, da avaliação à gestão, passando pelo financiamento ou pelas áreas curriculares que não tenham sido alvo de nova, precipitada e contraditória legislação.
Quanto à moderação das práticas, facilitando uma maior estabilidade do sistema, basta contactar as escolas, os professores, os alunos, as autarquias e os editores.
Ordens e contra-ordens. Circulares que põem em causa diplomas legais. Despachos que colocam professores à revelia da legislação em vigor. Redes escolares impostas contra à vontade das autarquias, dos pais e das escolas. Programas alterados em cima da hora. Alunos, por vezes só crianças, colocados obrigatoriamente em escolas-empresas, sem condições de transporte, de alimentação e de sucesso escolar.
Quanto à avaliação!
Só para professores, trabalhadores não docentes e alunos. Consta até que, agora, só falta preparar o diploma dos exames de avaliação no pré-escolar.
Com tanta avaliação, o Governo não equacionou a hipótese, ou não teve tempo, de avaliar o mérito e o demérito da actual Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada por um largo consenso na Assembleia da República. Só o CDS/PP votou contra o diploma em 1986. E agora quer o ajuste de contas.
Quanto ao reconhecimento de que a educação é um factor estrutural ao desenvolvimento do país e à valorização dos portugueses, não são reflexões que o governo subscreva. Por isso o Orçamento de Estado para 2004 foi um orçamento de ataque à educação. O Governo defende a educação com menos despesas, menos escolas, e mais precariedade para os professores. As escolas vivem à míngua e cada vez mais à custa das famílias.
Porque para o PCP a educação é uma estratégia fundamental para o desenvolvimento de Portugal propusemos, que, dentro e fora desta casa, se procedesse a uma ampla e alargada reflexão em torno do Sistema Educativo e dos diversos contributos apresentados e que o Parlamento construísse um diploma capaz de responder às necessidades de Portugal e dos Portugueses.
Esta nossa proposta foi unanimemente aceite e vários deputados da Comissão de Educação, Ciência e Cultura percorremos o país, promovendo debates e participando em muitos outros propostos por sindicatos, autarquias, escolas, pais e outras instituições. Terminada esta ampla e participada discussão, cabe agora fazer o trabalho de especialidade que não pode ignorar os muitos e diversos interlocutores que ouvimos e as persistentes críticas, repetidas insistentemente pelo país no que à proposta do governo diz respeito.
Tal como o Conselho Nacional de Educação, acusam o Governo de aprovar legislação sectorial e parcial e só depois apresentar a proposta de lei, começando a construção da casa pelo telhado, limitando assim a discussão e a formulação de um documento tão importante como este.
Consideram que a proposta do Governo viola o texto constitucional ao propor uma rede educativa nacional e única, integrando o ensino público e o ensino privado e atribuindo-lhes os mesmos deveres e direitos.
Também o Conselho Nacional de Educação chama a atenção para o facto do Governo substituir o conceito de escola pública por serviço público e clarifica que ?Importa, sobretudo, reafirmar a obrigatoriedade do estado em assumir a existência de uma rede nacional?? e que ?interessa acautelar que o Estado não se venha a descomprometer com a escola pública, fazendo opções de financiamento que possam estrangular as capacidades de resposta por parte das escolas públicas?.
A redução, para apenas 6 anos, do ensino básico, encurtando o tronco comum das aprendizagens, ao mesmo tempo que se alarga a escolaridade obrigatória para 12 anos foi também uma das propostas governamentais mais duramente criticada. Também aqui o Conselho Nacional de Educação chama a atenção para os investimentos financeiros realizados na actual estrutura organizativa e para a revisão curricular em curso quer no básico, quer no secundário, ainda não avaliadas e que serão postas em causa com a proposta do Governo.
O ataque à gestão democrática dos estabelecimentos de ensino constituíu matéria obrigatória em todos os debates. A gestão unipessoal e a ausência de participação da comunidade educativa em todos os órgãos de administração e gestão das escolas propostas pelo governo foram severamente criticadas. Também o Conselho Nacional de Educação afirma que ?Pela Lei de Bases anterior, consagrava-se a democraticidade e a participação, (?). Importa ver estes princípios salvaguardados na actual proposta de lei de Bases de Educação?.
Também o articulado relativo à educação pré-escolar foi objecto de muitas preocupações. O governo foi acusado de deixar de considerar este nível como 1ª etapa da educação básica, ignorando que desde 1997, com a Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, aprovada por unanimidade na AR, se consagrou esse princípio. O Conselho Nacional de Educação chama a atenção para a importância e para o teor desta Lei-Quadro em vigor, que contempla o dever do estado de criar uma rede pública de educação pré-escolar, e a gratuitidade da componente educativa em todas as unidades públicas, privadas e de solidariedade social.
Finalmente a Educação Especial é, na opinião dos participantes nestes debates, uma área que evidencia a posição conservadora e mesmo perigosa defendida na proposta de lei do governo. Consideram os especialistas que as propostas do governo são segregadoras das crianças e dos jovens, preconizam a exclusão como regra e a inclusão como excepção. Ignorando os avanços produzidos com a assinatura, também por Portugal, em 1994, da Declaração de Salamanca.
O trabalho na especialidade tem quer dar resposta à comunidade educativa que fez ouvir a sua voz, quer individualmente, quer em nome dos colectivos que representam. Se assim não for, o governo e a maioria estiveram de má fé em todo este processo.


  
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Edição:

N.º 134
Ano 13, Maio 2004

Autoria:

Luísa Mesquita
Deputada do Grupo Parlamentar do PCP
Luísa Mesquita
Deputada do Grupo Parlamentar do PCP

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