Página  >  Edições  >  N.º 134  >  Espaços de segregação ou de trocas interculturais?

Espaços de segregação ou de trocas interculturais?

CIDADES CONTEMPORÂNEAS

A chegada de migrantes às cidades vindos de várias partes do mesmo país e de outras sociedades, coloca pela primeira vez em contacto numa escala jamais ocorrida antes na história da humanidade, diversos universos culturais.

Após a 2a Guerra Mundial, o mundo conheceu uma urbanização extremamente rápida, que se traduziu pelo surgimento de enormes cidades, algumas delas verdadeiras megalópoles com mais de dez milhões de habitantes. O crescimento rápido destas grandes cidades coloca sérios problemas à organização dos serviços urbanos essenciais, tais como moradia, fornecimento de água, pobreza e manutenção da ordem pública. Ao lado dos aspectos sócio-económicos, vem assumindo um papel cada vez mais importante a dimensão cultural, através da qual se exprime a experiência da vida urbana. Com efeito, a chegada de migrantes às cidades vindos de várias partes do mesmo país e de outras sociedades, coloca pela primeira vez em contacto numa escala jamais ocorrida antes na história da humanidade, diversos universos culturais. Nestas urbes, estes grupos reproduzem e mudam suas tradições, desenvolvem as trocas mais complexas da pluralidade étnica e cultural. Estes migrantes introduzem nas grandes cidades, línguas, comportamentos e estruturas espaciais oriundas de diferentes culturas. Este processo, observa-se com características análogas nos países centrais e nos países periféricos, chegando mesmo, até certo ponto, a anular as diferenças profundas entre as cidades de regiões desenvolvidas e aquelas de regiões subdesenvolvidas. A vizinhança duma população tão numerosa e de diferentes proveniências faz explodir as idiossincrasias urbanas tradicionais, tanto em Belo Horizonte, quanto no Cairo, Berlim ou Nova York. O encontro entre o moderno e o arcaico é muitas vezes violento. Embora o planejamento macrosocial, a padronização imobiliária e dos serviços de limpeza, as influências socioespaciais, publicitárias e televisuais comuns e, em geral, o desenvolvimento uniforme do mercado capitalista, tenham tendência a fazer das cidades focos de homogeneização, não impede que a força da diversidade se manifeste ou se amplie.
Neste quadro, qual o espaço para o exercício democrático? As aglomerações ingovernáveis ?encorajam? governos autoritários e centralizadores, que se tornam reticentes em deixar os cidadãos escolher e decidir. Isto provoca a desestruturação das cidades e incentiva a organização de movimentos na sociedade civil, que propõem soluções de mudança da ordem (ou desordem) dominante. Na maior parte das cidades, sobretudo nos países periféricos, ganha força a lógica descentralizadora. Contudo, os oponentes desta lógica, sustentam que ela favorece o agravamento do caos, a proliferação de gangues, o terror urbano, a desestruturação sexual, ou, simplesmente, a possibilidade dos poderes patronais ou mesmo das associações comunitárias se apropriarem dos espaços públicos praticando a exclusão ou a discriminação. Por outras palavras, o exercício local da democracia poderá, por conseguinte, produzir resultados antidemocráticos. O abandono de políticas públicas coerentes, acrescida das elevadas taxas de desemprego e violência parece estar na origem duma segregação espacial: aqueles que podem fecham-se em ?condomínios fortificados?. Em lugar de procurar resolver os conflitos resultantes do multiculturalismo, favorecem a separação dos grupos através de muros, de grades e de dispositivos de segurança eletrónica. Ao lado de barreiras físicas, a mudança de hábitos e de rituais e as conversas obsessivas sobre a insegurança tendem ao maniqueísmo, criam distâncias, elevam os muros simbólicos, reforçam os muros reais, contribuindo para a instauração de segregações urbanas. Hoje, não é difícil de constatar a baixa frequência dos espaços públicos de lazer. Em parte, o fenómeno decorre da insegurança, mas há também a tendência difundida pelos meios electrónicos de comunicação, em preferir a cultura ao domicílio, introduzida nos lares pelo rádio, pela televisão e pelo vídeo, do que ir ao cinema, ao teatro e aos espectáculos esportivos, que obrigam a percorrer grandes distâncias e a atravessar bairros perigosos da cidade. Fechar-se em casa ou abandonar a cidade no fim de semana, significa mais do que querer escapar à violência, ao cansaço e à poluição: são modos de afirmar que a cidade não tem solução. No plano político, a democratização dos regimes e a participação dos cidadãos são sem dúvida as únicas soluções que poderão reverter parcialmente esta tendência majoritária ao encerramento sobre si próprio como forma de resistir à voracidade dos interesses privados imobiliários, industriais e turísticos, que prejudicam o desenvolvimento equilibrado das cidades. As reacções fundamentalistas que emergem em quase todas as grandes cidades do planeta, obriga-nos a pensar que não é suficiente fazer a apologia da diferença. Trata-se de imaginar como a informação internacional e a necessidade de pertença e das raízes locais podem coexistir, sem hierarquia discriminatória, no interior de um multiculturalismo democrático.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 134
Ano 13, Maio 2004

Autoria:

José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil
José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo