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Um gestor com sentido

A escola é marcada por uma grande conflitualidade, latente ou manifesta, em busca da afirmação dos vários tipos de lideranças. Neste jogo de poder, a perversidade e a conduta elevada está separada por uma linha muito fina e o árbitro pode acabar por se tornar, simultaneamente, jogador.

O meu olhar para a liderança não é neutro. Desde que iniciei a minha actividade docente tenho procurado perceber as relações de poder, mais ou menos complexas, que se estabelecem no meio escolar. Recorro à análise guiado por uma perspectiva cultural. Os temas da colaboração e da colegiabilidade são dois exemplos desta procura. Contudo, é através de uma perspectiva micro política que observo o exercício do poder organizacional por parte dos órgãos de gestão que têm consciência da questão do controlo.
A escola é marcada por uma grande conflitualidade, latente ou manifesta, em busca da afirmação dos vários tipos de lideranças. Neste jogo de poder, a perversidade e a conduta elevada está separada por uma linha muito fina e o árbitro pode acabar por se tornar, simultaneamente, jogador.
Animado pela discussão em torno dos gestores escolares, parto para a questão da liderança à margem da centralidade que a definição do perfil do gestor assumiu. Procuro um conjunto de orientações que dêem sentido à acção executiva procurando, em última instância, enfatizar o primado do pedagógico sobre o administrativo. A hierarquia piramidal responsável pela coisa educativa, aqui e ali, vai proferindo sinais de quem desconhece esta evidência. Reparo que a instrumentalização política da escola ainda não atingiu o seu apogeu. Basta olharmos para as medidas mercantilistas já anunciadas, para o fulgor da escola paralela (das explicações) de aceitação incondicional dos encarregados de educação e para o marasmo que se instalou numa grande parte do pessoal docente.
A figura do gestor executivo tem sido uma das bandeiras agitadas pelos ideólogos neoliberais deste governo. Gestor professor, gestor não professor, desconheço o perfil que lhe traçaram. Para além da sua farda, um gestor deve incorporar alguns elementos essenciais que nortearão a sua acção:
1. Deve conhecer a cultura da escola. As tradições, as crenças, as rotinas e os procedimentos devem ser considerados antes de procurar a mudança. Neste sentido, o gestor não pode hibernar no seu gabinete. Deve sentir o pulsar da escola.
2. Deve valorizar os professores. Até os professores fracos têm características positivas que podem suscitar o recebimento de elogios que melhoram a sua auto-estima. O professor deve ser considerado como pessoa integral e não como um somatório de competências técnicas ou deficiências estruturais.
3. Deve alargar aquilo que valoriza. Isto não significa qualquer tipo de cumplicidade com práticas injustificáveis. Há que promover o desenvolvimento profissional de todos os professores.
4. Deve procurar expressar aquilo que privilegia com autenticidade. Se a sua conduta não for sincera, o mais provável é que seja entendida como manipuladora.
5. Deve promover a colaboração. Não deve pensar que é detentor único do saber. Quando o gestor procura manipular a cultura da instituição e os docentes de modo que essa visão coincida com a sua perspectiva, incorre num erro difícil de reparar. A apropriação da escola, dos professores e do que é o melhor para todos, sugerem uma escola mais pessoal do que colectiva, mais imposta do que ganha, mais hierárquica e cada vez menos democrática.
6. Deve utilizar os meios burocráticos para facilitar, não para constranger.
Cada uma destas orientações não deve ser considerada isoladamente. Os gestores terão de construir um quadro mental que integre a totalidade das orientações. Seria um erro pensar que a adopção de uma cartilha resolveria os problemas que emanam das escolas.
O que deve ficar claro é o sentido de uma gestão virada para as pessoas. Uma escola de sucesso usará todo o potencial crítico e volitivo dos seus recursos humanos e procurará rentabilizar as possibilidades de cada um.
?As escolas tendem a ter os professores que merecem. Os directores (presidentes) que controlam todas as decisões obstruem as iniciativas, preferem culpar antes de elogiar, só vêem problemas onde os outros vêem possibilidades, criam professores desanimados e abatidos. Do ponto de vista ético, pode não ser correcto os professores desistirem e retirarem-se, em face de tanto negativismo ou indiferença por parte dos seus líderes, mas esta será a reacção de muitos, o que é compreensível do ponto de vista humano? (Fullan e Hargreaves, 2001: 144).

Nota: Fullan, M.; Hargreaves, A. (2001). Porque é que vale a pena lutar? Porto Editora. Porto.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 133
Ano 13, Abril 2004

Autoria:

Miguel Pinto
Professor, Mestre em Ciências do Desporto
Miguel Pinto
Professor, Mestre em Ciências do Desporto

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