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As ?primeiras classes avançadas? dos nossos professores

Talvez seja de alguma maneira um lugar comum dizer que estamos necessitados de actos educativos. E de preparar quem os seja capaz de levar a cabo. A vários níveis. Contudo, há um nível que hoje gostaria de eleger como um dos mais preocupantes. O nível das pós-graduações para professores.

Contava-me outro dia um familiar meu, de 78 anos, um episódio da sua infância, na altura em que passou da 1ª classe para a 1ª classe avançada. Também me referiu a sua passagem para a segunda classe, onde parou a sua formação. Confesso que me esqueci do episódio devido à surpresa e à fixação que fiz no facto de ter existido, não sei se formal se informalmente, a primeira classe e a primeira classe avançada.
À distância a que estamos destes factos ? cerca de 72 anos de distância ? eles podem parecer-nos ridículos. Contudo, se os contextualizarmos eles poderão ser aceitáveis. O ridículo poderá ser formalizado assim: o que é que poderá ter de avançado uma primeira classe? O aceitável será: se uma das formações mais privilegiadas que se poderá dar a alguém tem ?apenas? o horizonte de 4 anos porque não diferenciá-la semanticamente em função do trabalho e do tempo? Pode até constituir uma boa forma de motivação, de valorização do trabalho e do tempo bem como dos avanços pessoais, ainda que estes possam ser ?pequenos?. Em resumo, a diferenciação então efectuada parece-me simultaneamente ridícula e aceitável, talvez mais aceitável que ridícula devido ao facto de estarmos a falar da primeira classe e dos primórdios da nossa socialização onde essa diferenciação pode ser importante. Por isso me pareceu, em suma, que essa diferenciação era do foro daquilo a que chamaria um acto educativo.
Talvez seja de alguma maneira um lugar comum dizer que estamos necessitados de actos educativos. E de preparar quem os seja capaz de levar a cabo. A vários níveis. Contudo, há um nível que hoje gostaria de eleger como um dos mais preocupantes. O nível das pós-graduações para professores.
Há, na minha opinião, uma subversão total dos objectivos que deveriam ser perseguidos na formação pós-graduada de professores. Um dos dados mais salientes da situação actual é a sobrevalorização feita das pós-graduações, nomeadamente dos mestrados ? os quais conferem o ganho ou avanço de quatro anos na carreira. (O doutoramento, paradoxalmente, apenas contribui com dois anos, reflectindo talvez o medo do legislador de que os professores atingissem rapidamente o fim da carreira). Este facto veicula a mensagem de que um mestrado torna um professor em melhor professor (se não fosse assim porque razão fariam o professor ascender 4 anos na sua carreira ? que é a mais elevada promoção dentro da carreira?). Ora não pode haver nada de mais falso: um mestrado não torna nenhum professor em melhor professor. (Talvez o contrário seja mais provável!). Um mestrado é, entre nós, uma formação marcadamente académica. Isto significa que visa fornecer muito mais instrumentos cognitivos e promover competências de investigação, do que fornecer ou promover competências profissionais, que são do domínio não só cognitivo como também comportamental, afectivo e moral. Tudo aquilo que pode tornar um professor mais competente ? ?saber fazer ser?, como alguns sugerem - não é obviamente do domínio exclusivamente académico - isto é, não é do domínio exclusivo da apropriação cognitiva, que é o domínio academicamente medido, - mas muito mais da prática, da experiência, do conflito, da reflexão e da acção, num ciclo nunca completamente terminado.
Para que se perceba como julgo ridícula esta situação bastará que a compare à situação de alguém que, querendo saber se outra pessoa é de confiança lhe administra, simplesmente, um teste de inteligência geral para obter essa informação. Tal como neste caso, a formação marcadamente académica, privilegia apenas dimensões cognitivas que são manifestamente insuficientes para dar conta da evolução e do desenvolvimento de um profissional da prática, de um profissional de acção.
Neste sentido, os mestrados que os nossos professores frequentam talvez não passem apenas de uma primeira classe avançada no ofício de os tornar melhores professores, com tudo o que isso tem de ridículo e de (pouco) aceitável. Pena é que talvez seja preciso esperar 72 anos para darmos conta da parte ridícula dessa história!


  
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Edição:

N.º 133
Ano 13, Abril 2004

Autoria:

José Ferreira Alves
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho
José Ferreira Alves
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho

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