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Portugal atrasado na organização territorial - II

Queria dar aqui uma explicação prévia. Não basta falar de ?sustentabilidade? como agora passou a ser comum entre os políticos portugueses. É preciso esclarecer os conteúdos.
Quando em 1987-88 Gro Harlem Brundtland coordenou o relatório ?O Nosso Futuro Comum?, as Nações Unidas passaram a ter um texto de referência sobre o que poderia ser um paradigma capaz de alterar a noção de ?crescimento económico?. O texto de Brundtland expressava uma estratégia de interesses inter-geracionais.
Tornava-se agora evidente, para um núcleo de cientistas, que o modelo civilizacional urbano-industrial era um modelo insustentável por gerar o esgotamento dos bens naturais, a contaminação do planeta e a exclusão social.
Mas, esta filosofia do desenvolvimento ecologicamente sustentável ou desenvolvimento durável, consolidou-se apenas em elites. Esta problemática não nasceu de uma forma repentina. Estava subjacente a muitas preocupações, desde há longa data:
Os fisiocratas do séc. XVIII propunham o aumento das riquezas sem a destruição dos ?bens de fundo?.
Também o Marxismo se preocupou com o princípio do desenvolvimento económico a partir das próprias forças, desejando uma autonomia social em cada país.
As preocupações com a conservação da natureza estão também presentes na agricultura tradicional, no romantismo e no Clube de Roma.
Descortinaram-se preocupações que alertavam para os perigos que vieram a generalizar-se com a globalização neo-liberal.
Faltava, no entanto, uma perspectiva científica da ecologia que integrasse a economia e a sociedade na biosfera.
A ultrapassagem deste paradigma mecanicista, exige um novo pensamento ? o pensamento ecologizado ? como é defendido nomeadamente por Morin, Rosnay e Passet.
Isto pressupõe uma abordagem sistémica transdisciplinar, aceitação da complexidade no objecto de estudo.
Terá de haver uma opção ruptural em relação à tecnociência, tal como previram George Friedman, Jacques Ellul, Lewis Mumford e Ignacy Sachs, aprofundando uma reflexão sobre a técnica e desenvolvendo perspectivas para uma ecotécnica e um ecodesenvolvimento.
Assim, podemos dizer que o desenvolvimento sustentado pressupõe uma ecofilosofia que coloca exigências éticas à ciência. E isto é essencialmente compreensível com o compromisso inter-geracional subjacente à noção de desenvolvimento durável: ?um desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras responderem também às suas próprias necessidades? como refere o relatório de Brundtland.
Porém, a par das dificuldades de impor a filosofia do desenvolvimento, vai-se manter uma ambiguidade até aos nossos dias.
Quando em 1974, Ignacy Sachs, consultor das Nações Unidas, propôs a palavra ecodesenvolvimento, Henry Kissinger acabou por fazer retirar esse conceito, na Conferência de Cocoyoc, no México.
Passou então a generalizar-se, duma forma hegemónica, o conceito de ?desenvolvimento sustentado?. Desta forma, retirou-se a carga epistemológica decisiva para a compreensão da preocupação ecológica. Veio assim substituir-se à preocupação ecológica apenas a cosmética duma forma de gestão financeira ou contabilística.
Por isso o vocábulo ?sustentado? ficou completamente vazio da problemática ecológica, confundindo-se esta sustentabilidade com a expressão anteriormente difundida pelo economista liberal Rostow ?Self Sustained Growth? (Entrevista a Ignacy Sachs na Science, Nature, et Société, vol. 2, nº 3/1994).

Como será possível o desenvolvimento ecologicamente sustentável para Portugal?

Primeiramente impõe-se o alargamento da estratégia ao mais vasto sector de cidadãos. Trata-se de divulgar uma eco-filosofia, uma metodologia projectiva faseada no tempo com soluções integradas a nível das energias, das eco-técnicas e da reorganização do território.
A estratégia terá que ser baseada na mudança progressiva dos centros de energias fósseis em núcleos integrados de produção de energias renováveis, descentralizados.
A metropolização de duas grandes megapólis resultantes de um crescimento que domina e esgota os bens do interior, terá que dar lugar a uma metamorfose total do território. O centralismo hipertrofiado dos pólos urbanos do litoral têm que dar lugar, progressivamente, a uma malha policêntrica de cidades equilibradoras do território.
Actualmente, a desertificação dos centros das grandes cidades, resulta da inadequação dos antigos cascos ao tráfico.
A metapolização, isto é, o crescimento das zonas suburbanas, trouxe aumentos ao habitat periférico das metapólis. O seu crescimento fragmentado e caótico lembra as metástases dum cancro. Esses subúrbios não são pois soluções, mas indícios de uma crise ainda mais letal para a qualidade de vida.
Importaria desenvolver uma progressão das cidades-território, organismos policêntricos integrados num eco-sistema, no sentido dos vales dos grandes rios. A população terá que distribuir-se pela interioridade do território. A vida urbana terá também que resultar duma ocupação de actividades agrícolas pois a agricultura urbana é possível se a cidade se integrar na natureza e a natureza se articular com a urbanidade.
Para isso, terão que ser integradas, sistemicamente, eco-técnicas, transportes ecológicos, energias limpas e renováveis.
E a contaminação deixará de existir se a paisagem antrópica for pensada como inserida nos ecossistemas. Esses ecossistemas terão capacidade de reciclagem dos lixos urbanos não tóxicos no ciclo trófico, no metabolismo circular das biocenoses no biótopo.
A noosfera, consciência científica e ética, constitui assim a organização deste funcionamento ecológico integrado, onde as forças regenerativas do planeta eliminem o mais possível o esgotamento dos bens naturais essenciais e se evitem as contaminações e as exclusões sociais.


  
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Edição:

N.º 132
Ano 13, Março 2004

Autoria:

Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto
Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto

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