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Da Guerra

PERTENCEMOS À GERAÇÃO QUE MAL TINHA ACABADO DE VIVER O TEMPO DA ADOLESCÊNCIA, DEU POR SI EM ÁFRICA COM UMA G3 ÀS COSTAS, A PALMILHAR QUILÓMETROS DE TRILHOS PEJADOS DE MINAS PESSOAIS, NAS MATAS DO NORTE DE ANGOLA, A COMANDAR UM GRUPO DE COMBATE. POR LÁ PASSÁMOS MAIS DE DOIS ANOS DA NOSSA VIDA. OUTROS, FIZERAM-NO EM MOÇAMBIQUE OU NA GUINÉ. EM CONSEQUÊNCIA, O 25 DE ABRIL, FOI PARA A GERAÇÃO QUE VIVEU A GUERRA, A CONQUISTA DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS, MAS FOI, ACIMA DE TUDO, O FIM DE UMA SITUAÇÃO EM QUE JOVENS PERDIAM OS MELHORES ANOS DAS SUAS VIDAS, QUANDO NÃO A PRÓPRIA VIDA, POR CAUSAS SEM SOLUÇÃO MILITAR. A ESTUPIDEZ DA GUERRA, NUNCA MAIS, PENSÁMOS ENTÃO.

O país vive novamente tempos de loucura bélica. Os portugueses estão a ser envolvido numa guerra estúpida, sem nexo e sem sentido, ao serviço de um novo imperialismo. De facto, numa espécie de bebedeira neo-fascista o mundo está a ser conduzido para o apocalipse, por loucos que só deviam poder decidir sobre os destinos da guerra se eles próprios fossem para a primeira linha, acompanhados dos seus próprios filhos.
Os gregos antigos sabiam que os homens, na sua tacanhez, têm necessidade de violência para se sentirem glorificados. Para suprirem essa necessidade sem os custos trágicos da guerra, inventaram, entre outros, os Jogos Olímpicos e, desta forma, tornaram a paz gloriosa, através do prazer lúdico da violência controlada. Mas, parece que agora aos políticos já nada lhes satisfaz a honra e a glória, a não ser a exaltação trágica da guerra, porque, para mal dos nossos pecados, para eles, o horror das mutilações e das mortes em combate, nunca passa das imagens da CNN ou dos filmes do Rambo na televisão.
Aqueles que conheceram a guerra real, a do terror das minas e das emboscadas, do estrondo dos rebentamentos, do zumbido das balas, do matraquear das metralhadoras, do cheiro do napalm, que carregaram às costas os estropiados e mortos, sabem que, após a euforia das declarações iniciais de sabor fascista, a guerra acaba, sempre, por ser a exaltação trágica e patética da vitória da morte. Porque, qualquer guerra vitoriosa, diz-nos a história da humanidade, não passa da própria celebração da morte, como Francis Ford Coppola, nos recorda no filme ?Patton? ao colocar na boca do general americano: ?I love the smell of napalm in the morning. It smells like?victory.?
Se dantes, o matar entre pares fazia parte de um jogo de cavalheiros, porque o combate ainda acontecia, face a face, a uma escala humana, hoje, a morte em larga escala não passa de uma bestialidade. Mesmo assim, abater um adversário olhos nos olhos, como ainda hoje faz um pugilista, provoca no homem comum, um fascínio intenso, quase zoológico, como nos diz John Keegan no ?Calor da Batalha?. Portanto, se a guerra é demasiado importante para ser deixada ao critério comandado pelo doce sabor da agonística, em contrapartida, ela é demasiado perigosa para ser dada à recreação de alguns paisanos frustrados por não terem cumprido o serviço militar ou que, ao tempo, quando lhes tocava a eles, andaram a berrar ?nem mais um militar para as colónias?.
Neste mundo da globalidade em que todos nos conhecemos, seria bom que os políticos, tal como os gregos antigos o fizeram, encontrassem no desporto um equivalente lúdico e agonístico da guerra, que lhes canalize o fervor heróico, o sentimento pátrio e a vã glória de mandar, com que desejam passar para a posteridade, para causas que tenham realmente a ver com os interesses e as necessidades das pessoas, porque estas, como vemos diariamente nas mais diversas televisões por esse Mundo fora, a única coisa que desejam é que as deixem viver e os filhos em paz. E, se os puserem na escola a praticar desporto tanto melhor.
Uma coisa parece certa, neste Portugal de hoje, a guerra por mais recreativa que possa parecer, não pode ser deixada nas mãos de políticos que a vão viver em Lisboa, em ridículas ?célula de gestão de crises?, onde a arma mais sofisticada que terão de manejar, serão alguns pioneses com que se divertirão, numa primeira fase do jogo, a marcar no mapa as movimentações das tropas no terreno, numa segunda, as estatísticas das mortes em combate.


  
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa

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