Página  >  Edições  >  N.º 126  >  As horas

As horas

Caminhavam lado a lado, tão juntos que as suas mochilas faziam um só desenho: 88 88. Metade azul sob fundo rosa, metade vermelho sob o cinzento. Todos os dias o Vasco era o primeiro a aparecer e esperava que do outro lado da rua Sofia descesse do 3º andar do seu prédio. Assim que a via saltar os dois últimos degraus do átrio da entrada ele atravessava a rua, ainda pouco movimentada.
- São oito e um quarto, reclamava mesmo antes do habitual olá!
Sofia sorria ensonada:
- Era pior se fossem oito e vinte!
Vasco não comentava. Nunca tinha resposta para ela.

Os rapazes da classe do Vasco passavam pela porta da sua casa pontualmente às oito horas. Era obrigatória a passagem pela rua de ambos no caminho para a escola. Vasco via-os passar e apesar de saber que havia boleia para ele no grupo insistia em esperar por Sofia. Os rapazes não gostavam da companhia dela. A classe de Sofia era rival da deles no campeonato inter-classes de futebol da escola. E para os rapazes esse era motivo mais que suficiente para não a quererem a ouvir as suas tácticas de jogo.
Por várias vezes, no intervalo, enquanto treinavam, Vasco tivera a intenção de falar aos colegas sobre Sofia. Queria dizer-lhes que ela não percebia nada de futebol. E que mesmo que ela quisesse fazer papel de agente dupla infiltrada não ia conseguir fixar as jogadas deles o que tornaria impossível qualquer revelação à equipa contrária. No fundo era esse o maior receio dos rapazes. E porque ela nunca mostrava interesse nos comentários dele sobre o zigue zague da tabela classificativa da Super Liga, Vasco suspeitava, mas era só uma suspeita, que Sofia assistia a todos os seus jogos apenas para o ver jogar. E não porque realmente gostasse de futebol? Mas isso ele não podia dizer aos rapazes.
Mais minuto menos minuto Sofia nunca chegava às oito e dez. A hora idealmente estipulada por Vasco. De casa à escola demoravam dez minutos. Chegar à escola às oito e vinte significava ter ainda dez minutos para um joguinho rápido de tazzos no cimento do recreio. Como Sofia raramente cumpria o horário, Vasco só por milagre chegava a tempo do jogo.
- Um dia não espero?, ameaça em vão. Vais ver, um dia não espero!
Mas o amuo pelo atraso da rapariga não a fazia despertar mais cedo. A zanga passava assim que Sofia começa a dar-lhe pequenos encontrões com a mochila. Era o desafio para a corrida do costume, aquela que apesar do avançado da hora os faria chegar a tempo:
- Partida, largada, fugida!


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo