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O mercado e a inclusão social

A INCLUSÃO PODE SER VISTA COMO UM DOS DISCURSOS QUE PERMITE AO MERCADO DESTERRITORIALIZAR AS RELAÇÕES SOCIAIS AO NÍVEL DO ESTADO-NAÇÃO PARA AS RE-TERRITORIALIZAR, DEPOIS, A UM NÍVEL SUPRANACIONAL.

É paradoxal que numa altura em que toda a ênfase parece ser colocada na questão da inclusão, na educação inclusiva e na chamada 'sociedade inclusiva', a exclusão surja como sendo a norma. E isto parece ser verdade, a menos que se assuma como ponto de partida a ideia de que o mercado é que define a inclusão, substituindo-se dessa forma as funções do estado-nação e o seu paradigma de protecção social, sobretudo tal como se desenvolveu sob a bandeira do estado providência. Naquele sentido, a inclusão pode ser vista como um dos discursos que permite ao mercado desterritorializar as relações sociais ao nível do estado-nação para as re-territorializar, depois, a um nível supranacional. Assim, em vez de regular práticas de exclusão, foi-se criando um espaço global onde todas as pessoas, independentemente das suas diferenças, são incluídas como consumidores. O paradoxo reside, é claro, no facto de a inclusão ser promovida com base nesta erradicação das diferenças e não com base nelas mesmas. Este processo é semelhante àquele levado a cabo pelo estado-nação durante os séculos XVIII, XIX e XX, pois também nesse caso era aquilo que as pessoas possuíam em comum (território, linguagem, religião, grupo étnico, história) que se tornava o factor determinante para a definição daqueles que eram incluídos no espaço nacional e, assim, aptos para o exercício da cidadania. Antes do estado-nação ser o organizador chave da inclusão, a Igreja desempenhou esse mesmo papel com base, dessa feita, na comunidade da fé. Assim, a ontologia social das sociedades pré-modernas ocidentais fundava-se na ideia de que todos eram criaturas de Deus e, como tal, eram incluídas e organizadas no corpus social.
Consequentemente, poderá argumentar-se que tanto a concepção medieval como a moderna de ontologia social definiam a inclusão baseando-a na exclusão - ou na tentativa de erradicação - da diferença. Tanto os infiéis como os sem pátria eram empurrados para as margens como sendo aqueles a quem não era possível considerar legítimos participantes na sociedade. Esta construção da inclusão com base naquilo que as pessoas partilham, no que têm em comum, conduziu inevitavelmente a diferentes formas de exclusão económica, social, política, social e cultural.
Com o advento da sociedade de conhecimento, e o correspondente movimento do conhecimento do estado-nação para o global/local, os trabalhadores são cada vez mais definidos não pelos empregos que têm mas pelos conhecimentos que conseguem acumular. Assim, existe uma pressão forte sobre os conhecimentos, sobretudo escolares, para que estes se construam em forma de competências. É este conhecimento traduzido em competências que desencadeia, simultaneamente, a tentativa do sistema educativo actualizar a sua estrutura curricular, para responder às novas exigências de um mercado de trabalho, em vias de reconfiguração, e as iniciativas da(s) comunidade(s) locais para recolocar a questão dos conhecimentos formadores do indivíduo, agora exteriores à escola, quer para promover interesses de classe (por exemplo, a nova classe média), quer para reencontrar um novo impulso emancipatório através da educação (dado que a escola pública já foi, ou está em vias de ser, apropriada pela lógica do mercado).
Ora, porque é que o mercado tem que definir o que é a inclusão? Rejeitamos totalmente a ideia de que a inclusão se desenvolva na base da exclusão segundo a lógica de que quem não é consumidor é excluído. De facto, é na base da diferença, e não na base da sua homogeneização (promovida quer pela igreja, quer pelo estado, quer ainda pelo mercado), que se pode encontrar uma alternativa para o desenvolvimento de uma sociedade eventualmente mais inclusiva. Por outras palavras, as identidades individuais e grupais podem constituir, numa sociedade onde a produção é cada vez mais baseada no conhecimento e na informação, uma base para a organização da sociedade. Como dissemos na nossa última contribuição, o "bazar" como reconfiguração da esfera pública será um espaço de regulação, um espaço em que a justiça redistributiva e a justiça ligada ao reconhecimento das diferenças constituem uma geometria variável, dependendo a variação do poder e do conflito entre as diferenças. A exclusão, então, também se perfila como direito, mas como direito (à diferença) em que ela também se encontra incluída. Este não é um "jogo de soma zero", como alguns anti-relativistas gostariam de proclamar, nem o beco sem saída de uma total incomensurabilidade, mas, antes, o reconhecimento de que "a diferença somos nós", isto é, o reconhecimento da emergência de uma nova ontologia social que constrói a inclusão com base naquilo que as pessoas e os grupos têm de diferente.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 125
Ano 12, Julho 2003

Autoria:

António M. Magalhães
Univ. do Porto
Stephen R. Stoer
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto
António M. Magalhães
Univ. do Porto
Stephen R. Stoer
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto

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