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Ensinar também é aprender

Tita Costa
42 anos
Artista, professora

A imaginação ao poder

Depois de finalizar o curso de Belas Artes no Porto e de ter iniciado o seu percurso artístico, foi para Inglaterra estudar no princípio dos anos noventa. Que experiência retirou do sistema educativo britânico?

Uma das facetas do sistema educativo britânico que melhor recordo, embora pela negativa, é o chamado ranking das escolas. De acordo com o que foi dado a perceber, é um método de avaliação que pode criar distorções na rede porque previligia a avaliação do desempenho das escolas em função de áreas académicas como as línguas e as ciências. As escolas localizadas em meios desfavorecidos, por exemplo, muito frequentadas por miúdos de minorias étnicas, ocupam geralmente os lugares abaixo da tabela. O mesmo se passa com as escolas vocacionadas para o ensino artístico, que não apostam tanto no ensino académico e ficam habitualmente classificadas nos últimos lugares. Faz-me confusão pensar que miúdos com talento possam estar a ser desperdiçados. É uma pena?

Actualmente é professora de Educação Visual e Tecnológica numa escola particular de inspiração inglesa. De que forma é ali abordado o ensino artístico?

A disciplina que estou a leccionar não é Educação Visual e Tecnológica, chama-se Arte e, de certa forma, combina as duas vertentes. Sou responsável pelas turmas de 6º, 7º e 8º anos e dou um pouco de História da Arte ao 11º ano. É uma escola que terá concerteza melhores condições materiais do que uma escola pública, mas é sobretudo a metodologia de trabalho que a distinguirá das outras, porque incide nas aulas práticas e na pesquisa. Quando se trabalha um determinado pintor, por exemplo, recorre-se à biblioteca ou à consulta da Internet, não ficamos apenas pela aula. Além disso, as turmas são mais pequenas o que permite, à partida, um melhor processo de aprendizagem.

Quantos alunos têm em média as turmas que orienta?

Entre 12 e 16 alunos.

Tornou-se professora por vocação ou como complemento da carreira artística?

Há um sábio chinês - ou indiano, não me recordo ao certo -, que diz que ensinar também é aprender. E eu estou a ter essa experiência. Quando olho para trabalhos dos meus alunos não deixo de pensar que alguns podem não estar como eu queria do ponto de vista técnico, mas acho-os tão bonitos e expressivos que questiono até por vezes algumas das técnicas que aprendi. E por vezes sinto mesmo a influência dessa liberdade no meu próprio trabalho. Uma das minhas mais recentes exposições, que actualmente está em itinerância por algumas localidades do interior transmontano, foi feita com papel comum e pastéis de óleo, materiais não utilizados habitualmente, e fi-lo com muito gosto. E essa influência não se limita à questão artística, estende-se igualmente à cultura geral e ao mundo que nos rodeia. Se eu hoje sei quem é a Cristina Aguilera [uma famosa cantora pop] aos miúdos o devo. Essa faceta também é importante?

De que forma pode o ensino artístico servir como potenciador das restantes aprendizagens?

Em alguns miúdos a arte pode funcionar como uma forma de auto-estima. Podem não ser tão bons a português, a matemática ou a ciências, mas até desenvolvem uma apetência pela pintura, música, ou mesmo pela ginástica, e essa auto-estima pode ajudá-los a ter um melhor desempenho, porque até fazem coisas giras, porque têm o trabalho exposto na parede, e isso é muito importante. Desde miúdos que somos habituados a ouvir ?não faças isso; porta-te bem; não pintes nas paredes?? Ora, tem de haver um momento em que os miúdos se possam expressar de forma absolutamente livre em termos artísticos, e o local apropriado é a escola. É muito importante que essa curiosidade e liberdade sejam incentivadas porque é uma forma de os miúdos ficarem com o ?bichinho? e a partir dele desenvolverem a criatividade.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

Vai uma camisola de pelo de cão?

A tapeçaria é uma das paixões de Tita Costa. Quando esteve a estudar em Inglaterra conheceu uma comunidade de tecelãs que, além de outras técnicas, a ensinaram a fiar pelo de cão. Um material pouco comum aos olhos dos mais cépticos, mas que pode ser utilizado para a fabricação de uma série de produtos como tapeçarias, casacos ou camisolas. A tradição remonta aos índios nativos americanos, que, antes de os ingleses ali terem introduzido o carneiro, no século XVII, utilizavam este material como base para a confecção de tapeçaria tradicional e do próprio vestuário.
?As pessoas perguntam-me se eu ando por aí a tosquiar os cães, como se faz aos carneiros?, comenta Tita Costa em tom de brincadeira. Mas não é assim tão simples. A técnica exige que a matéria prima seja cardada a partir de cães de pelo longo, como os Serra da Estrela, sendo posteriormente lavada e fiada. Depois de finalizada, a peça torna-se impermeável e, garante a própria tecelã, é ?muito quentinha?. Apesar de ser uma técnica ainda utilizada em alguns países anglófonos, como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha ou a Austrália, está a cair em desuso. Por isso, garante Tita Costa, quem estiver interessado em aprender a técnica pode contactá-la.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 124
Ano 12, Junho 2003

Autoria:

Tita Costa
Artista, Professora
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Tita Costa
Artista, Professora
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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