Página  >  Edições  >  N.º 123  >  Totalitarismo liberal

Totalitarismo liberal

Nos tempos de hoje, as ideias parecem sobretudo envoltas em exercícios de retórica sem credibilidade prática. As palavras limitam-se à forma e perdem o conteúdo devido aos actos de quem as usam. Liberdade, democracia, solidariedade estão vulgarizadas, diria mesmo, vilipendiadas por aqueles que em nome delas praticam as maiores barbaridades e as políticas mais reaccionárias, desde que nos meados do século passado se pôs fim ao nazi-fascismo alemão.
Esta constatação tanto serve para os grandes acontecimentos mundiais (Guerra no Iraque), como para as políticas de cariz mais nacional (se bem que enquadradas num movimento global de fascização e prepotência do grande capital), como é o caso do actual movimento dito "modernizador" levado a cabo pelo governo português.
No trabalho, na saúde, na assistência social, na educação, os números tomam o lugar da humanidade, a lógica do lucro instala-se e tudo pretende absorver, o mercado é referência exclusiva às diversas políticas sectoriais, impõe-se o pensamento único de feição neoliberal, anunciando uma nova era de arrogância intelectual, essencialmente formal e vazio de ideias, configurando novas fórmulas de obscurantismo.
Interessa, sobretudo, àqueles que dominam as esferas do poder, usando o governo para desígnios exclusivamente economicistas, formar indivíduos de mentalidade subserviente, acrítica e apolítica, altamente qualificados na tarefa específica que desempenham, mas indiferentes ao mundo que os rodeia naquilo que este tem de fraternidade e preocupação pelo Outro. Ao poder da nova direita não importa formar cidadãos na verdadeira acepção da palavra.
Cidadania significa participação responsável e livre na vida pública, crítica, construtiva, mas sem nunca abdicar do pensamento individual e da opinião fecunda de cada um.
Assim se explica a política educativa que o governo pretende implementar. Desvirtuamento da aprendizagem da cidadania através de lógicas empresariais na administração escolar e nas intenções pedagógicas, culpabilização, levada ao paroxismo, do professor do ensino público pelos males da sociedade, (naturalmente servindo os interesses de alguns sectores privilegiados do privado), meritocratização da avaliação em função de critérios de duvidosa credibilidade, a saber: educar para a competitividade desenfreada e exclusão de quem não se revê nesse projecto de sociedade.
Saliente-se que o neoliberalismo é fundamentalmente totalitário. Surge camuflado em ideias herdadas do idealismo profícuo do século XIX, mas as palavras são utilizadas ardilosamente de forma a iludir o cidadão menos avisado para se defender das meras habilidades intelectuais dos agentes subservientes dos grandes interesses capitalistas. Estas são as intenções do actual governo. Estes são os desígnios do obscurantismo neoliberal que avassala o mundo de hoje. A educação desempenha aqui um papel fundamental; para uns será o instrumento através do qual se imporá mais facilmente a nova ordem; para outros será sinónimo de resistência, o meio através do qual se derrotará a reacção. Urge actuar no sentido de combater o primado do lucro e do dinheiro, com a firmeza de uma luta laboral coerente e solidária da parte dos professores, opondo-se à mercadorização da escola e à menorização do seu papel no contexto da definição das políticas educativas. A inacção, a indiferença e o temor são o que pretende o actual governo e seus ministros com a sua arrogância e o poder de uma maioria democrática parlamentar, que não respeita a liberdade dos cidadãos nem protege os fracos contra a opressão dos poderosos.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 123
Ano 12, Maio 2003

Autoria:

Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães
Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo