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Avaliação e Formação

A leitura, se possível cuidada e reflectida, do texto que dá forma à Lei  do Sistema de Avaliação da Educação do Ensino Não Superior (Lei nº 31/2002 de 20 de Dezembro) pode ser um bom ponto de partida para  a compreensão do modelo de funcionamento que vai caracterizar o sistema educativo português no futuro próximo. Se é certo que a doutrina aí expendida não é propriamente nova no que respeita aos princípios, objectivos e metodologias de desenvolvimento, já o mesmo não se poderá dizer quanto à forma como eles são afirmados, nem quanto aos domínios a que são aplicados, nem quanto às finalidades e funções que lhes estão reservadas.

É um facto hoje adquirido e incontroverso que a avaliação, tanto em teoria como na prática, há muito já ultrapassou os limites da sala de aula, onde timidamente ensaiou os primeiros passos como matéria científica  sob o ?arrevesado? nome de docimologia - quem se lembra disso? - para se instalar em gabinetes ministeriais poderosamente instrumentados (e instrumentadores) donde faz emanar as mais decisivas medidas sobre o futuro das escolas, que o mesmo é dizer, sobre o futuro de gerações inteiras.
O que é propriamente novo, todavia, na mensagem que está subjacente  ao documento em referência, é o grau de assertividade e de incondicionalidade universalmente positiva que caracteriza o discurso das novas disposições legislativas, como se a matéria de avaliação tivesse perdido, de repente, o estatuto problemático e constitutivamente viscoso que a caracteriza para assumir o carácter de padrão inquestionável de todas as medidas políticas que, enquanto tais, são por esta via  caucionadas sem mais delongas.
Esta indissociabilidade entre o carácter assertivo do discurso e as características do objecto a que o discurso se reporta, ultrapassando sem a menor hesitação a complexidade crónica que habita a realidade em questão, não significa, obviamente, nenhuma forma de  ingenuidade científica, nem tão pouco a expressão da perda de alguma sensibilidade crítica.  Nenhuma destas duas preocupações parece pretender enformar esta modalidade de intervenção na realidade educativa que a Lei do Sistema de Avaliação representa.  Pelo contrário, uma postura assumidamente político-administrativa, directa e imperante, configura a opção consagrada.
A adopção do paradigma avaliativo universal como forma de regular o sistema e, mais do que isso, de o legitimar, já não pressupõe a sua caução científica, como foi a estratégia relativamente em uso ao longo da década de oitenta. O que  então estaria em causa ? a afirmação e a autonomia dos profissionais de ensino face ao exercício do poder político ? justificaria o recurso às referências científico-técnicas como fundamento da negociação e da definição do estatuto profissional.
No momento que passa, a legitimação das decisões em matéria de educação, mais do que ao mundo interior da classe profissional dos professores e educadores, é imputada aos mecanismos do mercado, isto  é, aos valores de troca na sua relação com a produção, ou, talvez melhor, com a produtividade, o que  coloca o problema da legitimidade da avaliação no exterior da escola. Dada esta relação como determinante do sentido da educação, a avaliação torna-se crucial não apenas para o funcionamento do sistema, como para os seus utentes directos, alunos, pais e professores. É nestes termos que ?o sistema de avaliação, enquanto instrumento central de definição de políticas educativas, prossegue, de forma sistemática e permanente, os objectivos que lhe estão adstritos? (In documento  em referência).
Este carácter ?sistemático e permanente?, que torna o processo de avaliação idealmente copresente a todos as actividades, iniciativas e agentes, envolvendo todos os níveis do sistema (nacional, local regional), implicando modalidades auto-exercidas no plano interno ou  exercidas externamente através de agentes especializados, perfila-se como a dimensão estruturante de todo sistema  de ensino não só pelas valências simbólicas que veicula (um sistema sob avaliação permanente induz uma cultura vivida como permanentemente deficitária e, logo, insegura), mas também materiais e institucionais, já que determinará a existência  de figuras  e funções que alterarão significativamente o quotidiano das escolas. Os reflexos sobre os processos  e estilos de formação não se farão esperar, sobretudo se se aceitar que ?o mercado não dorme?.


  
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Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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