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A universidade e o sentido de escola

É, sem dúvida, importante que a Universidade combata o fechamento e a lógica da auto-suficiência, nomeadamente, no capítulo da sua actividade científica e pedagógica que é, no fundo, o que constitui o cerne da sua existência. É decisivo que, nesta matéria, se evitem, por isso, os excessos de um corporativismo inspirado, inclusive, pelos interesses de famílias ideológicas instaladas.

O recrutamento de docentes e a progressão nas carreiras surgem, a este propósito, como áreas especialmente sensíveis a exigirem uma reflexão desassombrada acerca dos seus pressupostos. Mas é também, de facto, vital que os propósitos de transparência que inspiram o ideário democrático não redundem, se desvirtuados, em atentados à identidade das escolas universitárias, à cultura de cada uma delas e à especificidade das suas dinâmicas evolutivas. Todos estas dimensões igualmente valorizadas pela grande maiorias dos estudos e recomendações que se conhecem.
Na verdade, cada escola universitária tem de ser uma Escola em termos de produção científica e de orientação pedagógica que, assim, permita, perante a comunidade académica e a sociedade em geral, o reconhecimento do seu perfil bem como a filiação institucional dos seus membros, desde os professores aos estudantes. Esta trata-se, porém, não apenas de uma questão académica mas também de uma exigência organizativa de valor inestimável para a saudável conjugação dos objectivos de preservação e de evolução das próprias instituições. Uma escola com identidade será, com certeza, uma instituição com orgulho que incentiva os seus protagonistas a contribuírem para algo que lhes pertence e que faz realmente parte das suas vidas.
Todos conhecemos ? ou tivemos pelo menos noticia ? dos exageros, das sobrancerias, das impunidades e das cumplicidades em que acabaram por naufragar muitas das concepções e práticas tradicionais de gestão e funcionamento das universidades, mas conhecemos de igual modo a falta de equilíbrio que tende a acompanhar as intervenções que, sem mais, pretendem ultrapassar aquelas mesmas concepções e práticas.
Uma instituição universitária aberta não tem de ser necessariamente uma escola desventrada em que as regulações identitárias soçobrem diante das interpelações exteriores, seja nos domínios anteriormente referidos, seja ainda nos capítulos da avaliação e da acreditação. Assim, importa sempre que, por exemplo, ao serem recrutados e promovidos os melhores quadros, o sejam dentro de parâmetros inerentes e coerentes com o projecto de cada escola. Da mesma maneira, os critérios de avaliação e acreditação terão de respeitar as especificidades institucionais, naturalmente dentro de limites socialmente consensuais, ou seja, no quadro de parâmetros que sustentem a própria democraticidade interna e não lesem, em geral, os princípios fundamentais das sociedades democráticas contemporâneas.
O que é realmente importante ? o que constituirá a mola produtiva da cultura escolar ? será a imposição social de cada escola incentivar a qualidade ? inclusive por acolhimento de críticas externas ? , sob pena de sucumbir.
Por aqui passa ? ou deverá passar - a grande diferença entre a autonomia democrática e o proteccionismo autoritário. A primeira, é meritocrática; o segundo, é conivente. A primeira tem de construir a sua legitimidade e assegurar o seu direito de existir, o segundo dimana de um abstracto direito à perenidade. A primeira, acolhe e impulsiona a diversidade; o segundo, impõe a arbitrariedade. A primeira, responsabiliza porque liberta; o segundo, desresponsabiliza porque coage. O que não podemos aceitar é que tudo se confunda e querer, antes de mais, responsabilizar constrangendo arbitrariamente em nome seja do que for, até mesmo da democracia ...
Só haverá escolas realmente universitárias quando e enquanto houver Escolas de saber reconhecidas, reconhecíveis e que reconheçam os seus protagonistas e estes nelas se reconheçam. Quando e enquanto projectarem os seus contributos na sociedade, não sendo nem meras consumidoras, nem reprodutoras passivas, nem entrepostos cinzentos ao serviço de lógicas economicistas ou sociais politicamente avalizadas.
No nosso país, é com excessiva frequência que as energias se esgotam num confronto interno demolidor e estéril cristalizado em pequenas vaidades ou, em contrapartida, em investidas globais devastadoras mas justificadas por obscuros propósitos de racionalização. O primeiro caso é expressão de uma mediocridade académica e cultural; o segundo, resulta de uma menoridade política revestida de verniz pragmático e tecnocrático. Em ambos os casos, a Universidade fragiliza-se não tendo, afinal, Escolas, (nem empresas, nem sequer corporações!). Descaracterizada entre o imobilismo de uma tradição obsoleta e o desajustamento de projectos demagógicos, corre o risco de perder o espaço do seu sentido cultural.
Uma Escola autêntica tem o direito e o dever de afirmar e reproduzir criativamente o seu modelo. A partir daqui fundamenta-se, com exigência, o dever de diversificar e o direito de escolher ...


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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