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Virtudes privadas - o testemunho de um director de colégio

Nasceu em Vila Real. Aos 64 anos, Gil Monteiro recorda com saudade as viagens de comboio até ao Porto onde estudou Geologia na Universidade do Porto. ?Chegava à Estação de São Bento e ia ao café tomar um galão com canela.? Durante 32 anos foi professor de Biologia e Geologia na escola Alexandre Herculano. Actualmente é director pedagógico do Colégio Vieira de Castro. ?Sem papas na língua?, Gil Monteiro fala das diferenças entre o ensino público e particular, do alargamento do ensino obrigatório ao 12º ano e de desemprego.

Tendo em conta a sua experiência da trabalho tanto no ensino público como no particular pode fazer uma apreciação sobre o que os distingue?
As condições económicas dos pais. Em geral, os mais desprotegidos do ponto de vista económico procuram o oficial e os que têm mais possibilidades o particular. Isso leva a que no particular haja mais sucesso, porque o aluno tem condições para adquirir material, livros, etc. No colégio se eu precisar que um miúdo tenha um determinado livro telefono ao pai que me diz logo ?ponha-lhe o livro?.
No ensino público deveria ser o Estado a dispender de tudo isso e não o faz a seu tempo devido. Acresce que devido à estrutura do Ministério da Educação (aos custos com funcionários, professores, instalações, etc) é provável que um aluno da escola Alexandre Herculano custe ao Estado 150 contos por mês. Ao passo que no colégio paga 40 ou 50 contos.

E a solução para essa situação seria a crescente privatização do ensino público?
Não é por aí? É preciso racionalizar métodos, processos e estabelecimentos de ensino. Escolas como o Alexandre Herculano estão obsoletas porque foram feitas para 3 mil alunos e agora tem 500 e podiam ser racionalizadas. Por exemplo, no edifício do Alexandre Herculano fazia-se um complexo para outra coisa e construiam-se várias escolas mais pequenas. Os estabelecimentos de ensino cresceram em número, mas agora têm de diminuir. O dinheiro que o Estado gasta na educação é de todos nós. Não está certo que uns tenham de pagar 50 contos para andar na escola e outros paguem zero. Ou pagamos todos zero ou todos 50. O rico deve contribuir e o pobre se não poder contribuir alguém deve contribuir por ele.

O que pensa do alargamento da escolaridade obrigatória para o 12º ano?
Actualmente o abandono escolar no 12º ano é de 40 a 50%, portanto o que podemos esperar deste alargamento? É uma utopia? Nos países ricos a escolaridade obrigatória até ao 12º ano já é obsoleta porque os indivíduos têm todos cursos superiores. Mas Deus queira que essa utopia se concretize. E que seja obrigatório o ensino superior! As pessoas dizem que Portugal é um país de doutores, mas todos os outros países têm mais doutores do que nós. O que temos é doutores de papel, os outros têm doutores na eficiência do trabalho. O país precisa de ter mais licenciados. Como podemos evoluir se ainda temos 10% de analfabetos?

Mas os licenciados estão no desemprego?
É óptimo? Porque aparece um lugar de amanuense numa autarquia e como o licenciado não tem mais que fazer vai para lá. E como tem mais conhecimentos tem outra produtividade? O problema é que havia de ganhar mais. Mas o que é preciso é ter pessoas com cabeças bem formadas e cheias de ensinamentos depois elas desenrascam-se! Aqui há uns anos houve uma grande caixa porque um jornalista descobriu um estudante do quarto ano de medicina andava trabalhava na recolha de lixo à noite? Daqui a uns tempos não nos vai surpreender ver um indivíduo com curso superior num campo com um tractor? Mas ele com certeza tirará mais proveito da maquinaria do que um analfabeto!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Gil Monteiro
Professor no Colégio Vieira de Castro, Porto
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Gil Monteiro
Professor no Colégio Vieira de Castro, Porto

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